terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A revolução umbandista - por Alexandre Cumino



Umbanda sempre foi e sempre será: paz, amor e caridade. Seu fundamento básico nunca muda: “Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da caridade”.

Creio que nunca será demais repetir essas palavras, que são do primeiro umbandista, Zélio de Moraes, incorporado do Caboclo das Sete Encruzilhadas, em 1908. Essa é a nossa base fundamental, nosso alicerce, nossa unidade, que se completa com essa frase: “com quem sabe mais vamos aprender, a quem sabe menos vamos ensinar e a ninguém virar as costas”.

Zélio de Moraes e o Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciaram a nova religião de uma forma muito simples. Seus fundamentos maiores dizem respeito à essência da caridade espiritual e ao ato de incorporar entidades que se agrupam nas linhas de trabalho (caboclo, preto-velho...) e dentro de uma liturgia, um ritual, que acontece dentro de um templo (tenda, centro, terreiro...).

Sem dogmas ou tabus, a Umbanda se manifesta diversa, mantendo sua unidade essencial, que é em si seus fundamentos básicos.

Dentro desse contexto, há espaço para que essa religião acompanhe a evolução dos tempos sem choques entre a doutrina e a modernidade, por exemplo. A sociedade evolui como um todo e a Umbanda tem condições de evoluir junto, reciclar-se e renascer a cada período. Estamos atualmente num desses períodos de mudança, na sociedade e na Umbanda.

Uma revolução pacífica e silenciosa está acontecendo na religião. Podemos observar aos poucos uma mudança de perfil e comportamento dentro da Umbanda.

Cada vez menos temos ouvido a frase: “Eu não sei nada, meu guia é quem sabe tudo”.

A ideia de que um médium não deveria estudar, para não atrapalhar o trabalho de seu guia, está cada vez mais caindo por terra e fora da realidade. Quem atrapalha, interfere ou mistifica, faz com ou sem informação, pois é um sinal de desenvolvimento às pressas ou falta de ética ou bom senso. Não estudar sempre será sinal de ignorância.

As tradicionais respostas: “você ainda não está pronto para este conhecimento” ou “ainda não é hora de você aprender tal fundamento”, para todos os questionamentos dos médiuns, já não encontram muito espaço na Umbanda.

Sonegar informação, manipular pessoas com tirania, coerção, usando um poder que não lhe pertence de fato, ou abusar de um “segredo” como instrumento de um poder efêmero já não cabe na Umbanda e não funciona com essa geração, ligada na internet e no Google.

Essa nova geração cresceu lendo livros de Umbanda, consultando a internet e perguntando o porquê de cada fundamento. Cada vez mais os sacerdotes de Umbanda devem se preparar para escolher bem e estar à altura dessa nova geração, afinal essa é a geração que vai reconstruir a Umbanda no futuro, e só nos cabe optar por aceitar e participar, ou nos colocar no ostracismo de “múmias” de um tempo perdido, no qual tudo era dogma, segredo ou tabu.

De tempos em tempos a Umbanda se recicla.

Do seu início acanhado de 1908 a 1920,seguiu uma multiplicação primeira de 1930 a 1940, houve uma grande expansão de 1940 a 1970 e o grande esvaziamento da religião entre 1980 e 1990.

Agora a Umbanda vive um período único de amadurecimento e expansão lenta em passos firmes. Estamos aos poucos vencendo o preconceito e mostrando à sociedade o que é Umbanda. Cada um de nós umbandistas é um formador de opinião, não podemos nos omitir e temos a responsabilidade de nos preparar cada vez mais para esclarecer aos que nos cercam e a nós mesmos.

Hoje temos bons cursos, livros e jornais, como este, Jornal de Umbanda Sagrada, que tem distribuição gratuita há mais de dez anos, divulgando os princípios e fundamentos da religião de Umbanda. Só não se informa quem não quer.

Continua valendo o velho adágio: “quem não vem pelo amor, vem pela dor”. Mas agora, nas palavras do irmão Adriano Camargo, temos a terceira via, a do conhecimento. Muitos chegam à Umbanda por meio do conhecimento, com sede de saber, e encontram em seu seio informação para o corpo, mente, espírito e coração.

O jovem umbandista, o adolescente, já chega dentro e inserido nessa realidade, nessa “revolução umbandista”.

Graças a Deus e aos Orixás, alguns visionários como Pai Ronaldo Linares e Rubens Saraceni ouviram o chamado do astral e prepararam muitos médiuns e sacerdotes para dar o amparo intelectual, de conhecimento e cultura como berço da Umbanda que queremos... para muito além da Umbanda que temos, pois tudo evolui sempre.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

História de um preto-velho - mais um conto de Fernanda Mesquita



Era um dia frio, como tantos outros na Serra de Petrópolis...

Lá iam os negros escravos cumprir com sua nova missão: ajudar a construção de uma passagem de linha férrea que ligasse o Rio de Janeiro à Serra da Estrela e assim, sua Majestade e toda a corte imperial poderiam enfim ter mais conforto para chegar às casas de veraneio que cresciam cada vez mais imponentes na Cidade Imperial.

-Socorro! - Gritava um escravo preso em um buraco que o capataz havia feito para que os negros fossem postos lá como forma de castigo e assim aprendessem que não havia outra alternativa a não ser trabalhar.

Só que este escravo já estava preso há dias, tinha fome, sede e as mãos sangravam devido ao trabalho excessivo a que fora exposto naqueles dias frios de Inverno.

Ninguém ouvia o negro escravo, pois os buracos eram feitos aos montes e distante da via férrea para que não houvesse contato com os outros escravos. Depois que o negro morria, jogavam terra em cima do buraco e, com o decorrer do tempo surgiu o “Cemitério dos Escravos”, como ficou conhecido mais tarde.

Mais de cem anos se passam...

-Estou cansada!Podemos parar aqui um pouco pra descansar? - Diz Ana para os outros dois amigos.

-Acho que sim! - Diz Alex - Creio até ser um ótimo lugar para acamparmos por hoje. Já vai escurecer, estamos caminhando desde o começo da Serra sem parar. Vamos ficar aqui hoje e continuar pela manhã bem cedo. Tudo bem pra você Raul?

-Por mim... - Resmungou Raul que não gostou nem um pouco da idéia de refazer a pé, a 845 metros de altitude o “caminho do ouro”, como ficou conhecido na época de D. Pedro II.

Os jovens armaram suas barracas, buscaram lenha e sentiam a brisa fria que já chegava, quando apareceu caminhando ao longe um senhor, que ao chegar perto dos meninos, perguntou:

-Posso me sentar um pouco em frente à fogueira que vocês fizeram pra me esquentar um pouco? Estou cansado...

O velho foi se sentando em um toco de árvore perto da fogueira e os jovens, sem entender de onde veio aquele velho, consentiram e fitaram-no por alguns minutos.

Antes que eles dissessem alguma coisa o Velho começou a falar:

-Lugar sofrido foi esse aqui, para satisfazê o bem estar dos brancos, muitos negros sofreram e morreram aqui, sabiam? Pés e mãos sangravam, mas o trabaio não podia parar, nem criança escapava do trabaio pesado . Tinham que carregar pedras e, muitas pedras foram colocadas em cima das “cova” onde jaziam os corpos dos escravos. As crianças não tinham trapos pra vestir e os mais véios muitas das veiz tinha que deitar sobre a criança pra mó dela não morre di frio... Fizeram uma Zenzala pra deixá os escravos por aqui mesmo,então sempre que dava,nóis pegava uns mato que desse pra cubri as criança que muitas das veiz morria di frio... Quando o capataz queria castiga nóis, tacava fogo nos mato que servia pra cubri as criança e deixava todo mundo trancafiado dentro da senzala, aspirando aquela fumaça toda, e muitas das veiz os pequeno morria porque num agüentava, né fio, a fumaçada que durava muitas horas... Triste di si vê, mas nóis num pudia grita nem fala nada, pra mó di num se jogado nas cova funda mato adentro e fica lá agonizando até a morte... Vida de nós foi sofrida, fios!

Com os olhos arregalados, diante do velho que ali falava, Raul disse:

-Mas, mas... você é... quer dizer era... um negro escravo? Você... - e, antes que ele concluísse, o velho com um meio sorriso falou:

-Sim fio! Sou um Preto-Velho escravo, que aqui muito sofreu e hoje venho através da Umbanda ajudar a todos que de mim precisam, e muitos outros igual a mim estão hoje ajudando num terreiro a praticá o amor, a caridade a todos que di nós precise viu, fio?

E, com a manhã chegando, o velho se levantou e foi caminhando pra dentro das matas.

Ana, completamente atordoada com tudo o que ouvira durante toda aquela noite, não teve tempo de temer aquele velhinho que mostrava nos olhos toda uma saga de vida sofrida e antes que ele sumisse na mata fria e úmida, ela gritou:

-Ei! Qual é o nome do Senhor?

-E o velho, já bem longe, gritou em voz bem firme:

-Pai Miguel é o meu nome.

Raul, não acreditando naquilo tudo, correu atrás do velhinho, achando tudo ter se tratado de uma brincadeira de muito mau gosto. Chegando no ponto que o velho sumiu, Raul topou em uma pedra e, olhando pra baixo viu escrito na pedra: ”P. Miguel.”

Alguns anos mais se passaram, quando os jovens, visitando um terreiro de Umbanda em uma festa em homenagem aos Pretos-Velhos, mais uma vez tiveram uma grande surpresa:

Lá na frente, um Preto-Velho comandava a gira e, com os olhos marejados de alegria dessa vez, disse:

-Que todos os fios que vieram aqui hoje consigam recebê as graças de Nosso Pai Maior, e que os véio que aqui estarão hoje, ajudem a todos suncês no caminho da evolução espiritual!

E o Nego Velho, olhando para os três que ali se encontravam no meio da multidão, que ansiava para entrar, ergueu os braços e falou:

-Venham cá meus fios, venham dá um abraço nesse Nego Véio, que esperava por suncês há muito tempo!

-E os três numa só vozsussuraram : ”Pai Miguel??!”

E foi assim que começou o caminho dos três jovens na prática da caridade naquele terreiro de Umbanda junto de Pai Miguel das Almas....

domingo, 12 de fevereiro de 2012

A casa do Barão - um conto de Fernanda Mesquita




-Não chore! - dizia Preta Zica ao escravo João preso pelo capataz por ter sido pego tomando o leite que acabara de ser tirado da vaca que pertencia ao Barão.

João havia sido preso a um elo de aço, entre tantos outros negros escravos que ficavam sob a casa do Barão de Águas Claras.

A maioria dos casarões da Corte Imperial situados a Rua Koeler, eram de pessoas da alta sociedade e amigos de D.Pedro II, esses,trancafiavam seus escravos sob os imponentes casarões, sendo um alçapão a única forma de se chegar até a “senzala improvisada” que ficava sob o assoalho das casas dos senhores de escravos,não havendo assim, possibilidade de fuga.

-Um dia hei de me vingar e colocar esses brancos malditos presos aqui onde me encontro hoje! Nesse dia eles sentirão na pele e pagarão seitil por seitil o que fazem com todos nós - dizia o escravo João, inconformado por ter sido preso tentando saciar a sua fome.

-Fio, não devemos ter sentimentos de ódio... que seja feita a vontade do Senhor...tenhamos fé! - dizia Preta Zica.

O inverno rigoroso da Cidade Imperial fazia com que muitos negros, que se encontravam presos pelas mais variadas formas pelo capataz do Barão, acabassem por adoecer, outras vezes até morrer devido às condições precárias de vida às quais eram impostos, padecendo de males como a pneumonia.

Em uma noite de chuva, o Barão precisou que seu capataz se ausentasse do casarão a fim de levar uma encomenda urgente a 20 quilômetros dali, ficando assim, sozinho np local.

Decorridas algumas horas, ele ouviu ruídos, murmurinhos e risadas que vinham da parte inferior da casa e, vendo que se tratava dos escravos, desceu até a “senzala” pra calar a boca dos negros insolentes. Mas chegando à parte de baixo, ele foi surpreendido por outros negros que o pegaram e rapidamente o colocaram preso ao lado do escravo João, que ria da situação.

-Seus insolentes! Quando o capataz voltar vocês pagarão com a vida!

E antes que o Barão tivesse tempo de dizer outra frase, eles pegaram um copo de vinho com veneno e fizeram o velho beber, vindo este a falecer em questão de minutos.

Nem todos os escravos que ali estavam conseguiram fugir, pois os mais debilitados sabiam que não conseguiram ir longe, então decidiram ficar e sorver da bebida letal, pois eles sabiam que não sobreviveriam quando o capataz retornasse ao casarão.

Passados muitos invernos desde aquela triste noite, e chegando nos dias atuais, veremos Pai Carlos, renomado Pai de Santo do Terreiro Luz Divina e mais doze médiuns indo até um Casarão para fazer uma limpeza espiritual a pedido de um casal atemorizado por espíritos em sua residência.

-Muito bem! Todos estão prontos para o início dos trabalhos?

-Espere! Que barulhos são esses vindos do assoalho da casa? - perguntou Antônio ao Casal que de pronto respondeu:

-Isso é pouco! Acho que deveriam ir lá embaixo onde era a “senzala” antes de começar qualquer coisa.

Ao que Pai Carlos autorizou, Antônio, um dos médiuns mais antigos, desceu juntamente com outros dois médiuns para tentar descobrir o que se passava lá embaixo.

Antônio nunca sentira vibração como aquela; o chão de terra batida mostrava traços de escravidão, com correntes enferrujadas, algumas poucas presas ainda a parede e, em um canto, uma coisa parecida com uma gaiola onde provavelmente ficavam os escravos quando eram castigados pelos seus senhores.

Vinham à mente de Antônio perturbações de diversas formas: escravos sendo açoitados e presos nas gaiolas até padecerem, mulheres negras pedindo água, muito choro, palavras de ódio, pedidos de vingança, visões distorcidas que o fizeram pedir ajuda de Pai Carlos.

Pai Carlos desceu até Antônio e depois de uma prece, ao que Antônio se sentiu melhor, o sacerdote começou os trabalhos daquela noite ali mesmo sob os olhos surpresos de todos.

O Preto-Velho de Antônio, foi para a parte superior da casa a fim de acender sete velas em um local específico para o bom andamento dos trabalhos e, ao que acendeu a última vela, veio uma ventania que apagou todas as outras ao mesmo tempo.

O Preto-Velho olhou para frente e avistou um homem de meia idade, branco e que parecia xingar alguém andando rápido como se estivesse à procura de algo ou alguém, sem nem perceber o Preto-Velho que ali estava.

-É......sussurrou o Preto-Velho...

Voltando à parte debaixo do casarão,os Pretos-Velhos que estavam fazendo a limpeza da casa, terminaram seus trabalhos e o Preto-Velho de comando disse aos médiuns que mantivessem os pensamentos elevados, pois havia escravos ali que, por terem tirado a própria vida antes da hora, ainda se encontravam presos naquele lugar e mais ainda, o espírito de um senhor que parecia ser o dono da casa, que não aceitava a situação em que se encontrava, vagava e precisava de muita oração, pois ele acreditava que se deixasse a casa, os escravos tomariam o lugar que era dele. E assim se passou uma longa noite de trabalhos espirituais a fim de findar ou pelo menos amenizar a situação em que se encontrava o casarão.

Mesmo com a ajuda de treze médiuns naquela noite na Casa do Barão, os donos decidiram por vender a propriedade para uma rede de hotéis, pois ficaram impressionados com tudo o que passaram desde o primeiro dia que pra lá se mudaram. O casarão passou por reformas e hoje recebe turistas de todo canto do país e do mundo.

Vocês devem estar se perguntando: E quanto ao Barão? A senzala ? Os escravos?
Bem, dizem os empregados que lá trabalham, que às vezes ouvem murmúrios que parecem vir da parte debaixo da casa e passos largos no cômodo onde dormia o Barão de Águas Claras.....

12/02/2012