domingo, 15 de abril de 2012

Professora evangélica que pregava a Bíblia em escola de São Bernardo do Campo – o outro lado da moeda - por Douglas Fersan




Estado brasileiro é laico e essa condição deve ser refletida em suas instituição, incluindo aí – e talvez principalmente – a escola.

O jornal Diário do Grande ABC publicou em 28/03/2012 uma matéria (retransmitida nesse blog) sobre a professora Roseli Tadeu Tavares de Santana que, segundo o artigo, usava as aulas para fazer pregações evangélicas tendenciosas e, que tal fato, levou ao constrangimento de um aluno, filho de um sacerdote de Candomblé. O adolescente teria sofrido bullying por sua condição religiosa e por não participar de bom grado das pregações, que chegariam a ocupar até vinte minutos da aula (cada aula nas escolas públicas do estado de São Paulo dura cinquenta minutos).
O fato teria ocorrido na Escola Estadual Antônio Caputo, localizada no subdistrito de Riacho Grande, em São Bernardo do Campo, e a denúncia gerou uma série de manifestações, levando até mesmo à abertura de um processo para apurar os fatos e assim garantir o direito religioso do adolescente, o cumprimento da lei e a laicidade das instituições escolares públicas.

Nós, umbandistas e seguidores e simpatizantes dos cultos afro-ameríndios temos a tendência a encarar fatos como esse com uma paixão às vezes exagerada, que nos faz esquecer a necessidade de apurar os fatos, para entendê-los com mais clareza e evitar injustiças. No furor em defender nossa crença, reagimos imediatamente, levantando a bandeira contra a intolerância. E a intolerância deve mesmo ser combatida, sem qualquer piedade, porém todo fato carece de uma análise mais profunda.

Resido em São Bernardo do Campo e atuo na área da educação. Professores são constantemente massacrados pela sociedade, que lhes impõe – sem pedir seu consentimento – coisas que vão muito além da tarefa de ministrar aulas. A eles é imposta a tarefa de educar (não no sentido pedagógico, mas no mais primitivo da palavra, pois muitas vezes as crianças chegam à escola sem essa condição, que deveria vir através do processo de socialização, que se dá no seio familiar), de servir de babás, de psicólogos, além de aturar situações de desrespeito e violência moral e às vezes até física. Professores também sofrem bullyuing, mas disso os jornalistas, como Gilberto Dimenstein, que não poupam esforços em denegrir a classe dos educadores, nunca se lembram.

Preocupado com a possibilidade de que uma injustiça fosse cometida, conversei com pessoas que conhecem a professora e afirmaram que houve certo exagero na descrição dos fatos. Assim eu soube que se trata de uma boa professora e – segundo me narraram, é importante lembrar que não presenciei os fatos – o seu “delito” consistiu em, ao se deparar com a desordem (para não dizer o caos) nas classes, dizer que pediria a Deus que a aula transcorresse de forma tranquila. Segundo outros, ela fazia cinco minutos de reflexão (baseada em ensinamentos bíblicos, o que teoricamente fere o princípio da laicidade). Observando o site do Diário do Grande ABC é possível perceber pelos comentários online que a maioria dos alunos apoia a professora, porém também fica claro que a grande maioria desconhece o princípio do Estado laico. Curiosamente, existem também aqueles que afirmam que “Bem, o que este veículo de comunicação fez foi gritar para todos os praticantes de cultos afros, para que eles coloquem em prática a CRISTOFOBIA, vamos supor que nesta sala de aula estudem 40 alunos, e 35 sejam cristãos, e 5 sejam de outras crenças. Enfim, ensinam que a DEMOCRACIA do PT é: A MAIORIA CALA A BOCA” – Uma tremenda manifestação de desconhecimento do que é diversidade, democracia, cidadania, além de uma apologia à intolerância e ao fanatismo.

Direitos existem para todos, mesmo para as minorias. Mais assustadora do que a possibilidade da pregação por parte da professora, é essa manifestação obtusa de apoio.

Não se trata, porém, de apoiar ou não a professora. Trata-se de ser justo. Que o Estado é laico todos já sabem, é fato e não há o que discutir. E se houve a pregação religiosa, também fica óbvio que o erro aconteceu, pois um professor deve, no mínimo, conhecer a legislação que norteia seu trabalho. Porém todas as partes devem ser ouvidas, para que não cometam injustiças e nem exageros no julgamento do caso.

Em nota oficial, a subsede da APEOESP (sindicato dos professores do estado de São Paulo) afirma que não houve tal prática denunciada pelo Diário do Grande ABC e que a escola Antônio Caputo é uma referência no trabalho de resgate da cultura afro-brasileira, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no seu Art. 26-A: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

Enfim, antes que, em nome da luta contra a intolerância nos tornemos intolerantes e inquisidores também, é melhor que acompanhemos o fato, sem corporativismo profissional ou de credo, zelando pelo cumprimento da lei, que garante a laicidade do Estado. Que a verdade venha à tona e que a professora Roseli tenha o amplo direito de defesa (o de crença já é garantido pela lei – fora dos muros da escola) e que em nome de nosso pai Xangô, nenhuma injustiça seja cometida, principalmente por nós, que clamamos tanto pelo respeito e pela tolerância.

Douglas Fersan
15/04/2012