sábado, 13 de fevereiro de 2010

O encanto dos Orixás - Por Leonardo Boff




Quando atinge grau elevado de complexidade, toda cultura encontra sua expressão artística, literária e espiritual. Mas ao criar uma religião a partir de uma experiência profunda do Mistério do mundo, ela alcança sua maturidade e aponta para valores universais. É o que representa a Umbanda, religião, nascida em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1908, bebendo das matrizes da mais genuína brasilidade, feita de europeus, de africanos e de indígenas. Num contexto de desamparo social, com milhares de pessoas desenraizadas, vindas da selva e dos grotões do Brasil profundo, desempregadas, doentes pela insalubridade notória do Rio nos inícios do século XX, irrompeu uma fortíssima experiência espiritual.
O interiorano Zélio Moraes atesta a comunicação da Divindade sob a figura do Caboclo das Sete Encruzilhadas da tradição indígena e do Preto Velho da dos escravos. Essa revelação tem como destinatários primordiais os humildes e destituídos de todo apoio material e espiritual. Ela quer reforçar neles a percepção da profunda igualdade entre todos, homens e mulheres, se propõe potenciar a caridade e o amor fraterno, mitigar as injustiças, consolar os aflitos e reintegrar o ser humano na natureza sob a égide do Evangelho e da figura sagrada do Divino Mestre Jesus.
O nome Umbanda é carregado de significação. É composto de OM (o som originário do universo nas tradições orientais) e de BANDHA (movimento incessante da força divina). Sincretiza de forma criativa elementos das várias tradições religiosas de nosso país criando um sistema coerente. Privilegia as tradições do Candomblé da Bahia por serem as mais populares e próximas aos seres humanos em suas necessidades. Mas não as considera como entidades, apenas como forças ou espíritos puros que através dos Guias espirituais se acercam das pessoas para ajudá-las. Os Orixás, a Mata Virgem, o Rompe-Mato, o Sete Flechas, a Cachoeira, a Jurema e os Caboclos representam facetas arquetípicas da Divindade. Elas não multiplicam Deus num falso panteísmo mas concretizam, sob os mais diversos nomes, o único e mesmo Deus. Este se sacramentaliza nos elementos da natureza como nas montanhas, nas cachoeiras, nas matas, no mar, no fogo e nas tempestades. Ao confrontar-se com estas realidades, o fiel entra em comunhão com Deus.
A Umbanda é uma religião profundamente ecológica. Devolve ao ser humano o sentido da reverência face às energias cósmicas. Renuncia aos sacrifícios de animais para restringir-se somente às flores e à luz, realidades sutis e espirituais.
Há um diplomata brasileiro, Flávio Perri, que serviu em embaixadas importantes como Paris, Roma, Genebra e Nova York, que se deixou encantar pela religião da Umbanda. Com recursos das ciências comparadas das religiões e dos vários métodos hermenêuticos, elaborou perspicazes reflexões que levam exatamente este título: O Encanto dos Orixás, desvendando-nos a riqueza espiritual da Umbanda. Permeia seu trabalho com poemas próprios de fina percepção espiritual. Ele se inscreve no gênero dos poetas-pensadores e místicos como Alvaro Campos (Fernando Pessoa), Murilo Mendes, T.S. Elliot e o sufi Rumi. Mesmo sob o encanto, seu estilo é contido, sem qualquer exaltação, pois é esse rigor que a natureza do espiritual exige.
Além disso, ajuda a desmontar preconceitos que cercam a Umbanda, por causa de suas origens nos pobres da cultura popular, espontaneamente sincréticos. Que eles tenham produzido significativa espiritualidade e criado uma religião cujos meios de expressão são puros e singelos revela quão profunda e rica é a cultura desses humilhados e ofendidos, nossos irmãos e irmãs. Como se dizia nos primórdios do Cristianismo que, em sua origem, também era uma religião de escravos e de marginalizados, “os pobres são nossos mestres, os humildes, nossos doutores”.
Talvez algum leitor/a estranhe que um teólogo como eu diga tudo isso que escrevi. Apenas respondo: um teólogo que não consegue ver Deus para além dos limites de sua religião ou igreja não é um bom teólogo. É antes um erudito de doutrinas. Perde a ocasião de se encontrar com Deus que se comunica por outros caminhos e que fala por diferentes mensageiros, seus verdadeiros anjos. Deus desborda de nossas cabeças e dogmas.

* Teólogo, autor de Meditação da Luz, o caminho da simplicidade. Vozes 2009.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O que é a PAZ?



“A paz
Invadiu o meu coração
De repente se encheu
De Paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão...”

A música de Gilberto Gil descreve sobre as sensações provocadas pela paz, mas o que é ela realmente? Onde encontrá-la? Por que persegui-la?

Entendo que a paz não invade nosso coração e sim transborda dele. E tão e somente depois de transbordar é capaz de senti-lo totalmente cheio novamente. Digo isso, por que aquele que procura essa palavrinha de três letras em outros locais senão dentro de si mesmo está procurando no lugar errado.

Quantas vezes dizemos aos outros para que nos deixem em paz? Quantas vezes nos perguntamos por que não vivemos num mundo de paz? Por quantas vezes nos perguntamos se a paz realmente existe?

Esteja certo de que ela existe e que qualquer que seja sua crença ou religião ela não virá de fora para dentro. Ela justamente só é possível se vir de dentro para fora. Inundar seu coração a ponto de transbordar e só assim, você sentirá ele repleto.

A paz não fazer nada. A paz não ficar de penas para cima. A paz não é não ter nenhum tipo de aborrecimento. Ter paz é estar bem consigo e com os outros. Estar em paz é estar em equilíbrio consigo e com o mundo que o cerca. Ficar em paz é ficar em harmonia com a natureza e com as pessoas que convivemos todos os dias ou eventualmente.

A paz não é inerte. A paz é movimento. Sendo assim ela deve ser perseguida diariamente. Não espere que ela chegue até você. Vá buscá-la. Não se acomode esperando tudo passar para ter paz. Faça algo para que tudo passe e assim você irá de encontro a ela.


Esta mensagem não é por que estou em paz neste momento e sim por que neste momento estou perseguindo a minha paz.


Jairo Pereira Jr. - 2010
Professor de Economia e Matemática
36 anos, casado, 2 filhos e Umbandista

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A niveladora social - por Douglas Fersan



O orgulho é um dos maiores venenos para a alma e um grande obstáculo na estrada do crescimento moral e espiritual. Uma verdadeira armadilha pronta a laçar os incautos, quando permitem que seu ego lance sombra obscura sobre as lições éticas e morais que deveriam ser aprendidas por todo ser humano.
Viver em uma sociedade capitalista impõe vícios culturais que absorvemos sem perceber. O verbo “ter” adquire superdimenção sobre o verbo “ser”, pois o poder aquisitivo tornou-se fator primordial para que alguém conquiste o respeito a que todos deveria ser dispensado. As pessoas são julgadas pelo que têm, e não pelo que são. Viemos em uma sociedade extremamente materialista e amoral, na qual princípios básicos de convivência tantas vezes são ignorados em favor de postura orgulhosa e hipócrita, pois nem sempre aquela que sobe em um pedestal possui cacife para mantê-lo por muito tempo.
Estamos todos, porém, suscetíveis aos revezes da vida, pois a colheita implacável não nos dá opção: ela fatalmente chega sem perguntar se a desejamos ou não. Certa de que a plantamos, ela se impõe como algo que nos pertence.
É na tristeza que todos se igualam. É na doença, no infortúnio, na morte, no inesperado que nossos olhos morais finalmente se abrem para a dura realidade de que somos tão seres humanos quanto o vizinho ao lado. Em momentos de necessidade nos damos conta do quanto somos frágeis frente à vida – não que essa seja cruel, mas é justa como o oxé de Xangô.
Desesperados diante da dor, retornam à sua mísera condição humana e partem em busca de soluções. É quando, geralmente, batem à porta dos mais diversos templos religiosos.
Alguns desses templos atendem prontamente os infortunados, outros usam toda espécie de artifício para obter vantagens, pois sabem muito bem que pessoas fragilizadas são facilmente sugestionadas e induzidas à dependência psicológica de sacerdotes que não trabalham em benefício do seu semelhante, e sim de seus interesses escusos.
A Umbanda, nessas situações, funciona como uma grande niveladora social.
Desventurados de todos os tipos procuram os terreiros, onde são atendidos independente de sua condição social. Doutores, alfaiates, babás, engenheiros, professores, todos recebem o mesmo tratamento e todos, independente da conta bancária ou do diploma que ostentam embolorado em suas paredes, recebem o mesmo tratamento, porque para a Umbanda não importa o que as pessoas têm, e sim o que carregam no coração. A Umbanda fará por todos que baterem à sua porta, pois é a manifestação da caridade, e para ela não existem pobres ou ricos, doutores ou analfabetos. Doutores se curvam para ouvir os conselhos de um preto velho.
E ao final, quando os problemas estiverem resolvidos, muitos daqueles que antes estavam desesperados darão as costas aos terreiros e até evitarão falar que um dia pediram ajuda a um caboclo ou a um exu, mas em seu íntimo saberão que quando, novamente, seu calo apertar, as portas dos terreiros de Umbanda ainda estarão abertas a eles.

Douglas Fersan
Fevereiro de 2010.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

UM JANEIRO CHEIO DE PRECONCEITOS




por: Átila Nunes Filho e Átila Nunes Neto

Dois acontecimentos, em menos de um mês, chamam atenção para um inacreditável e jurássico preconceito religioso acontecido no Brasil.
Um deles foi à decisão da candidata á presidente e Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, em mandar a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial adiar o anúncio do Plano Nacional de Proteção a Liberdade Religiosa, para evitar novos atritos com evangélicos e a Igreja Católica em ano eleitoral, porque o citado plano previa a legalização fundiária dos imóveis ocupados por terreiros de umbanda e candomblé e até o tombamento de casas de culto.
O governo declarou oficialmente que recuou, “para evitar novos atritos com evangélicos e a Igreja Católica em ano eleitoral”, o que poderia prejudicar a candidatura de Dilma Roussef, que tem feito esforços para se aproximar tanto de católicos quanto de evangélicos, percorrendo várias igrejas.
Quem vibrou com o recuo do governo foi o segmento evangélico. Para o pastor Ronaldo Fonseca, presidente do Conselho Político da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil, “o governo não deve gastar dinheiro com tombamento de terreiros”.
Esse episódio lamentável acontecido em 20 de janeiro chama nossa atenção para as eleições presidenciais deste ano. Como se comportará José Serra e Marina Silva, os dois outros candidatos a presidente? Agirão como Dilma Roussef?
O outro episódio, quase passado despercebido, foi à declaração do Cônsul do Haiti, logo depois da catástrofe naquele país. Segundo ele, a causa do terremoto foi à crença do povo haitiano nas religiões africanas
Teoricamente, um cônsul ou embaixador deveria ter conhecimentos mínimos de antropologia. Esse cônsul do Haiti bateu o recorde de ignorância com esse comentário preconceituoso e escravocrata.
Ao colocar culpa nas desgraças do Haiti a religião africana mostra a pequenez cultural desse cônsul, ignorando que quase 100% da população é negra e mantém viva a cultura das religiões do continente africano
Na verdade, por trás desse tipo de declaração também está o preconceito contra o negro.
Esse mesmo negro, quase sempre pobre, contrabandeado como escravo para várias partes do mundo. Deve ser pelo fato da maioria dos negros sempre terem sido pobres, que os cultos africanos sempre foram praticados ás escondidas, longe de gente preconceituosa como esse cônsul. Chega-se a conclusão que a Umbanda e o Candomblé sempre foram discriminados por causa de sua origem simples, humilde, africana.
Pessoas preconceituosas são todas iguais. E economizam tempo porque formam opiniões sem fatos.
Preconceitos – como do cônsul – são correntes forjadas pela ignorância para manter pessoas separadas. E o desejo de governos de agradar segmentos religiosos em detrimento de uma determinada religião, no fundo, também é um tipo de preconceito.
Um preconceito não submetido a razão (Átila Nunes Filho e Átila Nunes Neto - atilanunes@emdefesadaumbanda.com.br)



Fonte: www.emdefesadaumbanda.com.br