sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

As Sete Encruzilhadas - por Vander Augusto Pereira



As Sete Encruzilhadas
Inspirado mediunicamente ao médium Vander Augusto Pereira
Contatos: vander@primeassessoriaadm.com.br


Sou Senhor Exu das Sete Encruzilhadas. Senhor porque quero respeito, mas não por minhas posses, porque eu mesmo não tenho nada. Nem mesmo minha falange me pertence, se aquele acima de mim a quer terei que entregar, com brigas e protestos, mas entrego.

Fui homem há muito tempo, tempo que hoje ninguém lembra mais. Caí! Mas caí por meus erros. Não culpo ninguém, fiz minhas próprias escolhas e ninguém tem nada haver com isso. Erro meu e ponto!

Trabalho nas encruzilhadas, onde todos os caminhos se cruzam... Uns vem e vão, outros se unem o se separam, mas todo caminho se cruza com algum outro em algum tempo...

As pessoas que passam por sua vida são caminhos que apenas se cruzam, travam uma encruzilhada em formato de Cruz realmente, se cruzaram num ponto e seguiram...

Os caminhos que se acompanham cruzam por um Y, onde cada qual segui seu caminho, se juntaram e começaram a caminhar juntos. Esses são complicados, pois muitas vezes o espaço é pouco, a rua estreita...

Caminhos também se separam numa encruzilhada em Y, as pernas que um dia andaram juntas, seguem rumos separados após uma encruzilhada em Y...

Temos encruzilhadas em X, quase em Cruz, mas com uma diferença, são caminhos que vêm de longe, se aproximando até se encontrarem, mas distanciam da mesma forma, se cruzam em algum ponto, onde deveriam se cruzar e nada mais...

Na encruzilhada em T, você tem escolhas a fazer. Seguir seu caminho para qual lado? Direita ou esquerda? Dar meia-volta, pois em frente tem um muro e voltar em seu caminho, refazer seus passos para traz e tentar de novo ou arriscar o desconhecido para algum dos dois lados...

Em todos esses encontros estarei lá, com as chaves da encruzilhada em minhas mãos...

Não sou senhor dos caminhos, mas trabalho nos caminhos que se cruzam, onde se cruzam... Se hoje você está lendo isto é porque minhas poucas palavras deveriam se cruzar com você em uma das Sete Encruzilhadas em que trabalho...

Tenho por fim as duas ultimas encruzilhadas onde trabalho, das quais talvez tu não irá gostar. É onde abro o caminho por quem ou pelo que foi junto aos seus, trabalho na encruzilhada da vida com a morte, do bem com o mal, duas encruzilhadas que revelam a verdade e o caminho ao qual trilhar...

Quando a vida se cruza com a morte e algumas respostas aparecem, o bem e o mal de seu coração, de suas atitudes, se cruzarão pela ultima vez nesta passagem, Eu, Exu das Sete Encruzilhadas estarei lá para lhe receber na encruzilhada que mostrará quem você foi cruzando para o lado de quem você será. Trabalhe pelos seus, busque o caminho correto através das encruzilhadas da vida...

Saravá a todos!!!

Senhor Exu das Sete Encruzilhadas


Texto inspirado mediunicamente ao médium Vander Augusto Pereira

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Um pouco de Zé Pelintra - por Rodrigo Queiroz




































Linha e Arquétipo dos Malandros

Por Rodrigo Queiroz
Ditado por José Pelintra
 (este texto compõe o material de apoio para o curso on-ine "ARQUÉTIPOS DA UMBANDA", participe)

Seu Zé Pelintra onde é que o senhor mora...
Eu não posso te dizer, porque você não vai me compreender...
Eu nasci no Juremá, minha mora é bem pertinho de Oxalá!

Din din din, din din din, risca o ponto!
Malandro cruzado no meio do terreiro chegou,
chegou Zé Pelintra que veio do lado de lá,
fumando e bebendo gritando vamos saravá!

Saravá a todos do lado de cá!
Saravá Umbanda, o Catimbó, as Macumbas e o Candomblé!
Salve aqueles que são de salve e aqueles que não o são!

De tanto que somos marginalizados por aqueles que deveriam era nos prestar reverência ou mesmo o respeito por estarmos tão próximos para o que der e vier. Nós os “malandros” do astral fomos confundidos com os marginais do além.
Para quem ainda não entendeu, os Zés da Umbanda são espíritos comuns a cada um de vocês. Humanos por natureza, errantes, com defeitos e virtudes que na bondade do Criador podemos interagir com nossos companheiros encarnados afim de na troca de experiências agregar luz e evolução na história de cada um.
Zé Pelintras, Zé Navalha, Zé da Faca e tantos “zés” formam esta corrente ou linha de trabalho que chamamos de Linha dos Malandros. Justamente pela falta de informação fomos chegando na Umbanda de “fininho” na boa malandragem pra não incomodar ninguém. Quando “batíamos na porta” de um terreiro que nos desconhecia, se era da percepção do dirigente que devíamos manifestar na linha dos exus, assim fazíamos se pensavam que éramos baianos, tudo bem, ali estávamos. Entre acertos e erros, contradições e tradições fomos sendo aceitos, percebidos e procurados. No entanto engana-se aquele que pensa que surgimos do nada ou para nada, não, não. Já bem antes da Umbanda estávamos lá comandando o Catimbó, muitos ainda estão, diria que esta é nossa origem, mas como afirmar a origem daquele que não é original, pois é, somos o retrato da miscigenação racial e cultural que impera em todos os cantos deste Brasil, terra de Deus!
Somos aclamados como Doutor, curador, conselheiro, defensor das mulheres e dos pobres. Por outro lado também somos rechaçados e “exterminados” na consciência de alguns que insistem em nos colocar no patamar dos “demônios” e espíritos viciados e aloprados. Ora, este que nos maldiz é aquele mesmo que nada entendeu sobre Deus e seu amor na Sua Criação! Deixe que falem, desde que fale.
 O certo é que somos o retrato e a realidade da classe menos favorecida, somos a periferia, os menos favorecidos, os esquecidos, aqueles que se não é o jogo de cintura da criatividade humana, jamais persistiria vivendo, entende agora o que é nossa malandragem? Também digo que vivemos na periferia de Deus, claro, ainda temos muito que fazer para ir até o centro. E daí? Tá tudo certo camarada. Sabemos a que estamos e livre das ilusões que tanto aplaca a mente de vocês encarnados. Olha, sabe de uma coisa? É bom demais o lado de cá!
Dos Catimbós do Nordeste aos terreiros de Umbanda de todo Brasil! Isso é ascensão...
Por fim camarada, tenha em mente que estamos para ajudar a quem queira. Defendemos sim os mais pobres e sofredores, pois sabemos o que é a dor da fome e da perdição. Secaremos sempre as lágrimas daqueles que sofrem e isso basta.
Dentro do meu chapéu levo meu mistério, na fumaça de meu charuto transporto minha magia, na gargalha encanto meu povo, no meu terno branco reflito o que sou e na minha gravata vermelha quebro o mal olhado na força de Ogum!
Para aqueles que nos abrem alas, obrigado!

Nota do médium: Salve sua força camarada! Pois é leitor, a Linha dos Malandros, como posso dizer é bem nova neste formato organizado, no entanto de forma esparsa e independente estes companheiros já se manifestam na Umbanda há muito tempo e são anteriores ao surgimento da religião. Detendo grande importância nos Catimbós e Macumbas Cariocas. São “mandingueiros” do bem e manifestam um incrível senso de humor em suas manifestações. Chamam logo atenção de todos e arrebanham facilmente pessoas ao seu convívio.
Seu arquétipo é da classe social mais sofrida e menos abastada. Retratam mesmo aqueles que viveram no morro, na marginal, na periferia. São marginalizados, no entanto não são marginais.  Exemplo daquele que apesar do sofrimento e das dificuldades teve sabedoria para tirar humor da dor e driblar o baixo astral.
Defensores naturais das mulheres que sofrem com o aprisionamento machista parecem até galanteadores, mas nunca perdendo o bom senso do respeito. Estão afinados com a classe a qual formam seu arquétipo.
Mandingueiros, sabem muito bem como combater as Trevas e desmanchar feitiçarias e magias negra.
Não são baianos, não são nordestinos, não são rótulos, pois são o que são, um agrupamento de espíritos que tiveram a experiência de pobreza ou algo do tipo por todo esse país, que depois do desencarne e já conscientizados tiveram a oportunidade de retornarem nos cultos mediúnicos para continuar o progresso evolutivo.

Por Rodrigo Queiroz
Ditado por José Pelintra

sábado, 11 de agosto de 2012

Homenagem aos pais - por Douglas Fersan

Quando eu era pequeno e tinha pesadelos à noite, eu chamava por ele. Como um super-herói infalível ele aparecia para me acudir. Hoje me sinto um herói quando salvo meu filho dos sonhos ruins. Claro que não quero que ele tenha pesadelos, mas é com certo orgulho que vou ao seu socorro.

Eu ficava admirado com a sua habilidade em serrar a madeira, martelar os pregos, dar formas úteis a pedaços de madeira e pintar a parede, que de embolorada ganhava uma cor bonita. Hoje, com orgulho, vejo meu filho admirando meus trabalhos manuais e pequenos consertos domésticos, que nem saem tão perfeitos assim, mas que aos seus olhos pueris são grandes feitos.

Eu não entendia como ele conseguia trabalhar tantas horas seguidas e ainda fazer uns “extras” nos finais de semana. Às vezes até me revoltava. Como ele se atrevia a trabalhar tanto? Não percebia que a gente queria a companhia dele? Hoje eu trabalho muito, talvez menos do que deveria, para dar um pouco de conforto àquele pequeno que eu amo tanto. Espero que um dia ele compreenda minha ausência.

Havia momentos também em que eu tinha raiva. Por que a vontade dele tinha que imperar? Por que ele tinha que me pedir um copo de água bem no melhor momento do desenho animado? Hoje eu tenho sede e nem sempre percebo que às vezes abuso da minha autoridade. Que tirano eu sou.

Houve um momento eu que me revoltei profundamente. Por que não podia deixar o cabelo crescer, usar brinco, fazer tatuagem? Que droga, eu era jovem, por que um velho ranzinza queria me impedir de viver os melhores momentos da minha juventude? Hoje eu não entendo direito as ideias desses jovens e quero a todo custo proteger o meu menino daquelas coisas que eu não consigo entender. Acho que estou ficando velho e meus neurônios não conseguem compreender a lógica das novas atitudes. Podem me chamar de careta se quiserem.

Pior foi quando tive que crescer repentinamente e inverter os papéis. Por ironia do destino eu tive que carregá-lo no colo, dar banho, colocar remédio na boca. Por fim o deitei em seu último berço e o devolvi a Deus. O mesmo Deus que um dia me deu a ele. Tudo tem um propósito, acho que Deus me deu a ele e ele a mim porque sabia que um dia ele cuidaria de mim e noutro dia eu cuidaria dele. Será que um dia será preciso meu menino cuidar de mim, zelar pelo meu sono e me deitar em meu último berço?

Hoje eu entendo tanta coisa que eu não entendia e reclamava. Entendo a sua caretice, a sua implicância, a sua rabugice. Tudo isso era a forma que ele tinha de traduzir em ações o seu maior sentimento: o amor.

Hoje eu queria tanto tê-lo aqui para um abraço, ainda que breve. Mas compenso essa ausência abraçando meu filho, afinal nada acontece por acaso. Uns vão, outros vêm. Outros não podem ser abraçados, mas outros estão aqui a nos chamar nas horas do pesadelo, para a brincadeira chata (para a qual nem sempre temos paciência), para levar umas broncas, para pedir ajuda na lição de casa ou simplesmente para serem amados. É o ciclo da vida, infinito e infalível. Apaixonante...

Que todos os pais, presentes e ausentes, se sintam abraçados. Não faz mal que essa data seja apenas um comércio, como todos sabem. Ela serve também para que alguns sentimentos não caiam no esquecimento.

Um abraço especial aos meus dois pais, Sergio, que me gerou, salvou dos pesadelos e me criou, e Edmilson, que convivi por menos tempo que eu gostaria, mas que não foi apenas um sogro, isso qualquer um pode ser, foi o pai postiço que me abraçou quando o meu biológico já não vivia mais entre nós.

Douglas Fersan

11/08/2012

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

História de um preto velho - por Douglas Fersan


Tudo começou na pequena Paranapiacaba, uma vila pitoresca, com arquitetura e clima (leia-se neblina) que lembra as cidades inglesas do século XIX e destinada à moradia dos trabalhadores da Rede Ferroviária Federal. As casas – algumas mais simples (onde moravam os trabalhadores mais humildes), outras mais requintadas (que abrigavam os engenheiros da ferrovia, os verdadeiros mandatários da empresa) – eram de madeira, pintadas de um tom entre o vermelho e o marrom, enquanto as de alvenaria, mais simples, eram pintadas de cal com um pigmento amarelo. Parece que esses detalhes imprimiam um aspecto ainda mais melancólico ao local.

Mas a casa onde dona Lidia morava não se encaixava em nenhum desses quesitos. Era uma casa extremamente humilde, de madeira, já bem úmida e surrada pelo tempo, a última casa da Rua Antônio Olinto abrigava a boa senhora, o marido e o casal de filhos. Os fundos do quintal davam para a mata fechada, que era bela, mas trazia alguns problemas, tais como a invasão de animais indesejados (cobras, morcegos, sapos), além de causar uma sensação de insegurança bastante justificável – tipos suspeitos costumavam se esgueirar por aquele local, sabe-se lá com qual finalidade. Tudo isso deixava dona Lidia apreensiva, pois seu marido, seu Sergio, saía para trabalhar antes do amanhecer e só voltava ao cair da tarde. Isso a fazia sentir-se refém da situação, junto aos filhos, durante todo o dia.

Em uma triste ocasião, um vizinho maldoso tentou arrastar a filha do casal para o matagal, com as piores intenções. Só não conseguiu seu intento porque outros moradores perceberam o movimento e agiram a tempo.

A vila era pequena e existiam algumas casas, melhor localizadas, que estavam desocupadas. Dona Lidia sempre pedia ao marido que solicitasse junto à sua chefia uma outra moradia, mas ele sempre retornava dizendo que o pedido havia sido negado.

Numa atitude de desespero, sem que o marido soubesse, ela pegou os dois filhos e foi São Paulo, tentar conversar com o superintendente da RFFSA. Após horas de cansativa espera foi atendida. O engenheiro a recebeu bem, ouviu a sua história, mas cordialmente disse que não atenderia o seu pedido. Explicou que seu Sergio era um excelente profissional e dentro da empresa somente ele dominava a técnica de desenhar manualmente (naquela época era assim) as letras que identificavam os vagões. No entanto, por ser consciente disso, era um tanto abusado em seu comportamento. Desrespeitava a hierarquia da empresa, não cumpria corretamente seu horário de trabalho, brigava, discutia com os superiores, enfim, era bom no que fazia, mas não era merecedor de privilégios devido ao mau comportamento.

Dona Lidia foi embora arrasada, deprimida. Precisava sair daquela casa a qualquer custo. Sentia um nó na garganta, mas segurou o choro para não abalar as crianças. Resolveu então visitar uma cunhada que morava ali perto, a fim de desabafar um pouco.

Chegando lá, falou sobre sua angústia e a cunhada, percebendo que ela não estava bem, convidou-a a ir até uma vizinha que era benzedeira. Lá chegando foram prontamente atendidas e a senhora incorporou uma entidade que se identificou como o preto velho Pai João Benedito. O bom espírito deu um passe em dona Lidia e seus filhos e, depois de falar palavras de conforto, disse:

_A fia pode ficar sossegada, esse preto velho vai ajudar a fia a conseguir o que precisa.

Dona Lidia voltou para casa mais leve, já conformada em ter que viver naquela casa velha, úmida e sem segurança. Mas ao menos sentia que estava protegida espiritualmente.

Algum tempo se passou e a conversa com o preto velho já estava caindo no esquecimento, afinal, como um espírito de um escravo poderia interferir na mudança de uma casa? O negócio era viver a vida, seguindo em frente e aprender a conviver com os sapos (bicho que particularmente dona Lidia tinha verdadeira fobia), cobras e outros animais repugnantes, além do constante medo por estar à mercê de um invasor que viesse pelo matagal.

Uma noite, seu Sergio adormeceu assistindo à TV junto com a filha no sofá da sala. Dona Lidia cansada do trabalho diário, foi para a cama e colocou o filho mais novo na cama (a casa era tão pequena que todos dormiam no mesmo quarto). Quando estava quase adormecendo ouviu barulho vindo da janela do quarto. Seu medo foi tamanho, que ficou paralisada: não conseguia se mover ou gritar pelo marido. Seu medo aumentou quando lembrou que a cama em que o filho pequeno dormia ficava logo abaixo da janela.

Ainda paralisada e apavorada percebeu a janela se mexer e viu que lentamente alguém a levantava. Em poucos minutos o ladrão estaria dentro do quarto e, pior que isso, poderia fazer o pequeno menino de refém. Os poucos segundos pareceram uma eternidade. Quando enfim a janela estava aberta, um homem negro, de cabelos levemente grisalhos enfiou a cabeça pela janela e olhou diretamente nos olhos de dona Lidia. Foi nesse instante que ela saiu daquele torpor e conseguiu gritar por socorro. Seu marido acordou assustado e veio correndo. Nisso o negro soltou a janela, que desceu com violência, quebrando todos os vidros, e sumiu no mato.

A polícia foi chamada e vasculhou todo o matagal sem encontrar qualquer indício do invasor. A janela mostrava os sinais de arrombamento e, felizmente, os cacos de vidro não causaram sequer um arranhão no pequeno menino que fora atingido pelos estilhaços.

Se tratando de uma vila pequena, o caso se tornou conhecido de todos os moradores. Todos comentavam sobre a casa no matagal, que expunha seus moradores aos mais diversos riscos. Diante da situação, os mandatários da RFFSA ficaram preocupados, pois se algo mais grave acontecesse, especialmente às crianças, eles poderiam ser responsabilizados. Trataram então de ceder uma nova moradia à dona Lidia e sua família, num local mais tranquilo e seguro de Paranapiacaba. A casa velha e úmida foi demolida. Ninguém mais sofreria nela.

A mudança foi feita. Na nova casa dona Lidia iniciou uma nova vida, mais tranquila e feliz.

Algum tempo depois visitou a cunhada e novamente foi convidada a “tomar um passe” com aquela mesma benzedeira, que de novo incorporou a doce figura de Pai João Benedito. Após breve conversa, o velhinho perguntou a dona Lidia:

_A fia está feliz na casa nova?

Ela respondeu que sim e começou a relatar o ocorrido, quando tentaram invadir a casa, porém foi interrompida pelo preto velho, que disse:

_Não precisa contar, não fia... eu sei o que aconteceu. Quem levantou aquela janela não foi um ladrão e nem alguém que queria fazer mal para você e sua família. Fui eu que estive lá. Com a confusão que causei os homens que mandam acharam melhor dar uma casa nova para a fia morar.

Dona Lidia ficou sem palavras, então o preto velho continuou, dizendo que a acompanharia e sempre que precisasse, para chamar pelo seu nome. Pediu também que ela não esquecesse de colocar um cafezinho para ele todos os dias. Assim ela fez até o último dia de sua vida.

O filho de dona Lidia, depois de adulto, iniciou-se na Umbanda. Aos poucos foi desenvolvendo sua mediunidade e recebendo suas entidades. Quando o seu preto velho se manifestou pela primeira vez, perguntaram seu nome, ao que prontamente ele respondeu:

Sou Pai João Benedito, um nêgo veio que trabalha humildemente na Umbanda. Acompanho esse cavalo desde que ele era um cabritinho. A mãe dele foi sempre grata e fiel a mim, nunca se esquecendo de me oferecer um cafezinho num cantinho discreto da sua casa. Agora eu vim para dar continuidade ao meu trabalho de caridade através desse menino, que eu conheço tão bem e que tantas vezes já orientei e protegi sem que ele nem percebesse.

Assim é a Umbanda: usa de meios que num primeiro momento não entendemos, usa métodos que até duvidamos, mas que sempre objetivam o nosso bem. Assim são os pretos velhos: trabalham discretamente, de maneira sábia e humilde, sem pedir nada em troca, no máximo um cafezinho, que serve mais para reavivar nossa fé do que para qualquer outra coisa. Assim são esses sábio trabalhadores. Jamais nos abandonam ou nos deixam sem respostas.

Salve a corrente africana.

Salve os pretos velhos.

Salve Pai João Benedito.

Adorei as almas.

PS: essa é uma história verdadeira.

Douglas Fersan.

terça-feira, 24 de julho de 2012

VAMOS SAIR DA IGNORÂNCIA EM NOME DOS ORIXÁS - por Alexandre Cumino


VAMOS SAIR DA IGNORÂNCIA EM NOME DOS ORIXÁS - por Alexandre Cumino

De tempos em tempos, aparece algum caso de crime relacionado com Magia Negativa, associado ao mal, chamado vulgarmente de Magia Negra.

De tempos em tempos, vemos associarem alguns destes crimes à Umbanda, ao Candomblé ou aos Cultos Afros em geral.
São crimes bárbaros, macabros mesmo, com mortes de crianças e estupros, motivados pelo que há de pior e mais baixo no ser humano.

Enquanto nós ficamos aqui dizendo que isto não tem nada a ver com Umbanda, Candomblé e Cultos Afros; os criminosos, presos, se identificam com estas nossas amadas religiões e ainda dizem fazer pactos com satã, demônio, quando não colocam os nomes sagrados de nossos guias e orixás no meio de seus crimes hediondos e passionais.

SABEMOS que nossa religião é linda, que não faz pactos, que não existe demônios em nossos cultos.

Há anos, venho batendo na mesma tecla: Umbanda é Religião e só pode fazer única e exclusivamente o bem!

Enquanto isso, pessoas que nem tem idéia do que seja religião continuam abusando de nossos fundamentos e valores de forma negativa e invertida.

O conceito sobre religião está totalmente banalizado e distorcido, qualquer um cria uma nova religião e faz o que quer com ela, esta é a verdade.

Sempre lembro a primeira definição de Umbanda dada por seu fundador, o primeiro umbandista, Zélio de Moraes e sua entidade Caboclo das Sete Encruzilhadas: Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da caridade!

Enquanto isso, no próprio seio da Umbanda, convivemos com praticantes que não tem a menor idéia de quem foi, ou o fez, o primeiro umbandista.

Pessoas que "dirigem" terreiros, que se denominam sacerdotes (pai de santo, mãe de santo, padrinho, madrinha…) e proíbem seus médiuns de estudar.

O medo e a ignorância são portas abertas para as trevas interiores e exteriores.

É aqui que o EGO, a vaidade e os vícios mais baixos do ser humano se instalam.

E todos os dias vemos anúncios de pessoas oferecendo "serviços" de magias negativas em nome de nossos sagrados valores,
de nossa religião, de nossos guias e orixás. Deitam e rolam com os nomes de exu e pombagira, usam e abusam.

As pessoas continuam procurando um atalho, um caminho mais fácil, para externar seu negativismo acumulado, não querem dor, não querem crescer, não querem assumir seus atos, não querem ser conscientes, querem apenas satisfazer os sentidos viciados
no mundo das ilusões, das paixões que arrastam para atitudes emocionais animalizadas e instintivas.

Ainda se vê na figura do médium um poder de manipular vidas!
Um poder de manipular o destino, um poder que pode ser comprado, negociado.

NÃO EXISTE OUTRA SAIDA PARA A RELIGIÃO, É PRECISO MUDAR O SENSO COMUM, É PRECISO ALCANÇAR O INCONSCIENTE COLETIVO!

E A UNICA FORMA É COM EXEMPLO E NÃO APENAS COM PALAVRAS.

Um consulente pode apenas frequentar um terreiro, sem ter a mínima idéia do que seja a Umbanda.

Um consulente, um simples frequentador, pode se denominar católico, ateu, à toa e o que quiser…

Este consulente pode, sim, ele pode ser totalmente ignorante…

UM MÉDIUM NÃO PODE SER IGNORANTE!!!
UM MÉDIUM E PRATICANTE DE UMBANDA É FORMADOR DE OPINIÃO, SEMPRE!!!
O MÉDIUM É O TEMPLO DA RELIGIÃO!!! NÃO PODE SER O TEMPLO DA IGNORÂNCIA!!!

Umbanda não é e não pode ser para pessoas ignorantes.
E aqui fica bem claro o sentido e significado da palavra ignorante: aquele que ignora algo.

Não se pode praticar Umbanda de forma ignorante, sem saber o que está sendo praticado.

Quando não estamos bem, e todos passamos por momentos e períodos de negatividade, é o conhecimento, a razão, que nos mantém dentro de limites e parâmetros seguros. O médium ignorante torna-se uma porta aberta para as trevas.

E vamos continuar vendo casos e mais casos em que a ignorância rouba, assalta, o nome da umbanda e de nossas entidades.

COMO VAMOS MUDAR ISSO???
Ignorância se vence com conhecimento e estudo…

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Banquete de Kiumba - um conto de Douglas Fersan




Sete velas pretas, sete velas vermelhas... – conferiu mais uma vez e lembrou feliz, ao ver que uma tinha se partido ao meio, que comprou uma vela a mais de cada cor, justamente para evitar que um contratempo atrapalhasse o trabalho.
           
            Um carro passou e ela se virou, dando as costas à estrada.  Não queria que ninguém a visse ali, na encruzilhada fazendo uma macumbinha.  Estava bastante convicta do que queria, mas não custava nada evitar ser vista, afinal o que diriam os conhecidos se fosse flagrada com aquela parafernália toda, despachando um “trabalho” na encruzilhada?

            Conferiu a lista mais uma vez: as velas, as bebidas, os charutos, os cigarros...  havia outras coisas também – geralmente mal vistas pelas pessoas, como uma galinha morta, uma língua de boi, um coração...  estava tudo ali.  Não havia esquecido também os pedidos escritos num pedaço de papel.  Já que ia à encruzilhada, resolveu pedir tudo que ansiava.  Pediu que aquela vizinha intrometida se mudasse para bem longe, que a falsa amiga mordesse e língua e se desse mal no trabalho, que aquela sirigaita que lançava olhares insinuantes ao seu namorado quebrasse as duas pernas e, obviamente, que ele, o namorado, ficasse sempre ao seu lado, submisso e escravo do seu amor, cego para outras mulheres e prisioneiro de seus caprichos.  Certamente os exus as pombogiras a ajudariam e ele seria sua propriedade exclusiva.

            _Sim, os exus e pombogiras me ajudarão – pensou novamente, convicta de que os estava pagando muito bem com tudo que aquilo que despejava sobre o chão da encruzilhada.

            Por um momento observou novamente todo aquele material e pensou no quanto gastou com aquilo.  Além do que aquela amiga “macumbeira” havia indicado, comprou outras coisas por conta própria, pois assim acreditava que reforçaria o trabalho. Rosas e cravos vermelhos certamente seriam bem aceitos pelos espíritos, além de um perfume (barato, é verdade) e um alguidar com farofa amarela, tudo colocado sobre uma toalha vermelha.  Se eles a ajudariam com a receitinha dada pela amiga, imagine então com tudo aquilo que acrescentou...  Vendo tudo aquilo, achou que sua oferenda estava acima dos padrões financeiros usados nas macumbas que se vê por aí e adicionou alguns pedidos à sua lista.  Pediu um aumento salarial, a desventura de outro desafeto, além de reforçar o pedido – quase uma exigência – para que o namorado ficasse a seus pés.

            Escondeu-se mais uma vez de outro carro que passava e colocou tudo aquilo sobre o chão.  Colocou de qualquer jeito, nem se deu ao trabalho de abrir as garrafas de bebidas – não comprou das mais baratas, fez questão de lembrar.  Foi aí que recordou que sua amiga “macumbeira” havia dito que os espíritos não conseguem abrir garrafas e nem acender cigarros ou charutos.  Tratou de realizar essa tarefa meio a contragosto e resolveu ajeitar os materiais sobre a toalha. 

            _Até que ficou bonito – disse baixinho.

            Em seguida bateu palmas próximo às velas, conforme a amiga havia ensinado, e chamou pelo nome dos exus e das pombogiras.  Não poupou ninguém: Exu Pimenta, Tranca-Ruas, Exu Veludo, Exu da Meia-Noite, Marabô, Morcego, Maria Mulambo, Maria Padilha, Dama da Noite, Sete Saias...  nomes famosos que permeiam o universo da Umbanda e da Quimbanda.

            Terminado o confuso ritual, deu três passinhos para trás, se virou de costas e tomou seu rumo, certa de que seria atendida em seus pedidos o mais breve possível.  Assim que saiu, um grupo de kiumbas, espíritos zombeteiros e trevosos da pior espécie, se aproximaram daquela bagunça que emporcalhava a via pública e passaram a se divertir com aquele banquete que lhes foi deixado.  Assim que terminasse sua festa, iriam atrás daquela tola menina, a fim de confundir seus pensamentos, dando-lhe falsas impressões de sucesso e esperanças, e em seguida paranoias e sensação de fracasso, que iriam confundir-lhe as ideias, causando medo, insônia, insegurança e toda uma gama de fatores que a fariam ouvir novamente conselhos de pessoas mal informadas, mal esclarecidas e até mal intencionadas como essa amiga “macumbeira”, e iria novamente a uma encruzilhada servir esses kiumbas obsessores vez após vez, até se tornar escrava de sua própria loucura.

            Um pouco distante, os verdadeiros exus e pombogiras, incansáveis trabalhadores do Astral, observavam tristes àquela cena.  Os (verdadeiros) exus da Meia-Noite, Pimenta, Marabô, Morcego, Tranca-Ruas, acompanhados das Senhoras Sete Saias, Maria Mulambo, Maria Padilha e Dama da Noite não interferiram de imediato, pois algumas criaturas não ouvem bons conselhos, não aprendem pelo caminho mais fácil, precisam trilhar o caminho da dor para que o conhecimento sobre a moral espiritual seja compreendida.  Sabiam que aquela pobre coitada teria que sofrer para deixar de ser egoísta.  Teria que sentir os efeitos do mundo espiritual para aprender a respeitá-lo.  Eles sabiam que, após toda aquela bagunça que ela chamava de “trabalho” e de “despacho”, seria perseguida pelos kiumbas e que isso sim a faria procurar um lugar sério, onde eles seriam afastados dela e enfim ela se tornaria também uma trabalhadora da espiritualidade na terra, auxiliando outras pessoas para que não cometessem o mesmo erro.  Ou então, se insistisse na sua teimosia e egoísmo em querer manipular as coisas e as pessoas com a ajuda de espíritos, acabaria se decepcionando por não atingir seus objetivos escusos e se afastaria definitivamente daquilo que ela erroneamente acreditava ser Umbanda.  Não passando pela peneira da Umbanda talvez se convertesse a uma religião da moda e passasse a se autointitular “ex-mãe-de-encosto”...

Douglas Fersan
Julho de 2012.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Pretos velhos, feijoada e polícia - por Douglas Fersan

Lembro que meu pai-de-santo sempre dizia que cada gira é um aprendizado. Ouvi isso por muitos anos (durante todo o tempo em que frequentei a casa que ele dirigia), até que a vida decidiu que eu tinha a minha trilha a caminhar e segui adiante. Deixei para trás o terreiro e as pessoas que tanto gostava, mas carreguei comigo os ensinamentos que herdei desse importante período da minha vida. Abri – obviamente não sozinho – a minha própria casa, a qual hoje dirijo com muito orgulho (Lar de Preto Velho) e nunca esqueci a frase ouvida tantas vezes: cada gira é um aprendizado. E a vida provou isso. Outro costume que herdei da antiga casa é, todo ano, no dia 13 de maio (ou em uma data próxima, em que coincida os nossos trabalhos) fazer uma feijoada em homenagem aos pretos velhos e oferecer à toda comunidade. Fazemos a feijoada com os nossos recursos, nada pedimos à assistência e com muito prazer servimos a todos que comparecem nesse dia e, diga-se passagem, felizmente a casa costuma ficar cheia. Como dizem os mais antigos, “pouco com Deus é muito”. Primeiro tocamos para os divinos orixás, depois damos passagem aos pretos velhos e aí servimos à toda a assistência. Sempre conseguimos satisfazer a todos e sempre sobra para que cada um leve um pouco para saborear com mais tranquilidade em casa. Assim fizemos no dia 06 de maio (adiantamos a comemoração pois no dia 13 seria o dia das mães). Iniciamos nossos trabalhos com a Prece de Ogum (nessa casa de guerreiro/vim de longe pra rezar...) e logo que os pretos velhos se manifestaram e começaram a atender a assistência, alguém chamou em nosso portão. Uma das trabalhadoras da casa atendeu e se deparou com dois policiais, que muito educadamente disseram que estavam ali porque receberam uma denúncia de que nós, “macumbeiros” estávamos perturbando a paz pública. Cabe aqui um detalhe importante: realizamos os nossos trabalhos aos domingos a partir das 10 horas da manhã, mas nesse dia, justamente em virtude dos preparativos, atrasamos em mais de uma hora o início da gira. Com a mesma educação com que foi tratada pelos policiais, nossa irmã os convidou a entrar e verificar se havia algo errado. Eles explicaram que só poderiam entrar porque estavam sendo convidados, pois não havia um mandato, mas aceitaram o convite. Acredito que para não se comprometer, não aceitaram almoçar a feijoada, mas mostraram-se muito educados e tolerantes. Os pretos velhos continuaram em terra sem mostrar qualquer inquietude ou contrariedade. Apenas pediram que o “meu” preto velho, Pai João Benedito, subisse para que eu conversasse com os policiais. Eles se mostraram interessados e curiosos com os nossos trabalhos. Perguntaram se era Umbanda ou Candomblé. Expliquei que era Umbanda (e o que é a Umbanda) e, quando viram as imagens de santos católicos, pediram também explicações sobre o sincretismo. Perguntei se gostariam de tomar um passe com algum preto velho, eles até aceitaram e saíram com um sorriso satisfeito. Antes de ir embora, elogiaram nosso trabalho, a maneira respeitosa como os recebemos e nos disseram que algum vizinho incomodado reclamou que perturbávamos a paz pública, mas que podíamos ficar sossegados, pois nada mais estávamos fazendo do que exercer a nossa liberdade de culto religioso, garanto pela Carta Magna do país. Tão educadamente quanto entraram, saíram. Belo exemplo de que aquele estigma de polícia truculenta e intolerante está com os dias contados. Mas qual a lição que essa gira nos deu? – afinal foi assim que comecei esse texto. Ficou a lição de que a humanidade ainda tem muito que aprender. Não consigo imaginar uma figura mais humilde e pacífica do que um preto velho, sentado em seu banquinho, de cabeça baixa, auxiliando aqueles que o procuram, sem perguntar se são justos os seus pedidos ou não. Como uma figura doce, humilde, sábia e sempre pronta a ajudar pode incomodar tanto alguém, a ponto de chamarem a polícia sob o pretexto de estarem perturbando a paz? Que paz é essa? Como diz aquela música, é a paz que eu não quero. É a paz enfadonha e hipócrita dos intolerantes, que obesos de tanta empáfia e sapos que engolem, sentam em cadeiras de palha acreditando se tratar de tronos e se julgam acima do bem e do mal, detentores de uma pseudo-verdade religiosa e maligna, que lhes permite determinar qual culto pode ou não ser praticado. Não são pessoas pobres, são miseráveis de espírito. Mas nossa casa é regida pelo Pai Xangô. Os bons homens da lei entraram, viram que nada havia de errado e ainda nos orientaram como proceder caso sejamos novamente vítimas de preconceito religioso. Não deixaremos de realizar nossas giras, até mesmo porque um dia essa pessoa infeliz que se incomodou com os nossos doces pretos velhos poderá precisar de ajuda. E certamente os mesmos pretos velhos discriminados e acusados de perturbar a paz, estarão prontos a ajudar essa pessoa, pois assim é a Umbanda. A Umbanda é do bem. Adorei as almas. Douglas Fersan

domingo, 15 de abril de 2012

Professora evangélica que pregava a Bíblia em escola de São Bernardo do Campo – o outro lado da moeda - por Douglas Fersan




Estado brasileiro é laico e essa condição deve ser refletida em suas instituição, incluindo aí – e talvez principalmente – a escola.

O jornal Diário do Grande ABC publicou em 28/03/2012 uma matéria (retransmitida nesse blog) sobre a professora Roseli Tadeu Tavares de Santana que, segundo o artigo, usava as aulas para fazer pregações evangélicas tendenciosas e, que tal fato, levou ao constrangimento de um aluno, filho de um sacerdote de Candomblé. O adolescente teria sofrido bullying por sua condição religiosa e por não participar de bom grado das pregações, que chegariam a ocupar até vinte minutos da aula (cada aula nas escolas públicas do estado de São Paulo dura cinquenta minutos).
O fato teria ocorrido na Escola Estadual Antônio Caputo, localizada no subdistrito de Riacho Grande, em São Bernardo do Campo, e a denúncia gerou uma série de manifestações, levando até mesmo à abertura de um processo para apurar os fatos e assim garantir o direito religioso do adolescente, o cumprimento da lei e a laicidade das instituições escolares públicas.

Nós, umbandistas e seguidores e simpatizantes dos cultos afro-ameríndios temos a tendência a encarar fatos como esse com uma paixão às vezes exagerada, que nos faz esquecer a necessidade de apurar os fatos, para entendê-los com mais clareza e evitar injustiças. No furor em defender nossa crença, reagimos imediatamente, levantando a bandeira contra a intolerância. E a intolerância deve mesmo ser combatida, sem qualquer piedade, porém todo fato carece de uma análise mais profunda.

Resido em São Bernardo do Campo e atuo na área da educação. Professores são constantemente massacrados pela sociedade, que lhes impõe – sem pedir seu consentimento – coisas que vão muito além da tarefa de ministrar aulas. A eles é imposta a tarefa de educar (não no sentido pedagógico, mas no mais primitivo da palavra, pois muitas vezes as crianças chegam à escola sem essa condição, que deveria vir através do processo de socialização, que se dá no seio familiar), de servir de babás, de psicólogos, além de aturar situações de desrespeito e violência moral e às vezes até física. Professores também sofrem bullyuing, mas disso os jornalistas, como Gilberto Dimenstein, que não poupam esforços em denegrir a classe dos educadores, nunca se lembram.

Preocupado com a possibilidade de que uma injustiça fosse cometida, conversei com pessoas que conhecem a professora e afirmaram que houve certo exagero na descrição dos fatos. Assim eu soube que se trata de uma boa professora e – segundo me narraram, é importante lembrar que não presenciei os fatos – o seu “delito” consistiu em, ao se deparar com a desordem (para não dizer o caos) nas classes, dizer que pediria a Deus que a aula transcorresse de forma tranquila. Segundo outros, ela fazia cinco minutos de reflexão (baseada em ensinamentos bíblicos, o que teoricamente fere o princípio da laicidade). Observando o site do Diário do Grande ABC é possível perceber pelos comentários online que a maioria dos alunos apoia a professora, porém também fica claro que a grande maioria desconhece o princípio do Estado laico. Curiosamente, existem também aqueles que afirmam que “Bem, o que este veículo de comunicação fez foi gritar para todos os praticantes de cultos afros, para que eles coloquem em prática a CRISTOFOBIA, vamos supor que nesta sala de aula estudem 40 alunos, e 35 sejam cristãos, e 5 sejam de outras crenças. Enfim, ensinam que a DEMOCRACIA do PT é: A MAIORIA CALA A BOCA” – Uma tremenda manifestação de desconhecimento do que é diversidade, democracia, cidadania, além de uma apologia à intolerância e ao fanatismo.

Direitos existem para todos, mesmo para as minorias. Mais assustadora do que a possibilidade da pregação por parte da professora, é essa manifestação obtusa de apoio.

Não se trata, porém, de apoiar ou não a professora. Trata-se de ser justo. Que o Estado é laico todos já sabem, é fato e não há o que discutir. E se houve a pregação religiosa, também fica óbvio que o erro aconteceu, pois um professor deve, no mínimo, conhecer a legislação que norteia seu trabalho. Porém todas as partes devem ser ouvidas, para que não cometam injustiças e nem exageros no julgamento do caso.

Em nota oficial, a subsede da APEOESP (sindicato dos professores do estado de São Paulo) afirma que não houve tal prática denunciada pelo Diário do Grande ABC e que a escola Antônio Caputo é uma referência no trabalho de resgate da cultura afro-brasileira, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no seu Art. 26-A: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

Enfim, antes que, em nome da luta contra a intolerância nos tornemos intolerantes e inquisidores também, é melhor que acompanhemos o fato, sem corporativismo profissional ou de credo, zelando pelo cumprimento da lei, que garante a laicidade do Estado. Que a verdade venha à tona e que a professora Roseli tenha o amplo direito de defesa (o de crença já é garantido pela lei – fora dos muros da escola) e que em nome de nosso pai Xangô, nenhuma injustiça seja cometida, principalmente por nós, que clamamos tanto pelo respeito e pela tolerância.

Douglas Fersan
15/04/2012

sábado, 17 de março de 2012

Impressões de Iniciante - por Antonio Bispo



Sentados nas fileiras da consulência, olhamos para dentro do Congá e maravilhados nos médiuns a “divindade” São como mensageiros, anjos, seres especiais, com uma grande missão, amparar e ajudar.

Só de estar próximo a estes seres humanos diferenciados sentimos a grande aura do espírito que se comunica, e um feixe da essência de Deus. Médiuns de Umbanda estando sob a posse das entidades, perante quem os olha, são médicos de Deus, com poder de abrandar nossas dores físicas e curar os males da alma. São advogados celestes, com missão de fazer a justiça de que necessitamos. São senhores da magia, capazes de transformar pó em ouro, escriturários em doutores, auxiliares em chefes, indiferença em amor, ignorância em saber.

É ISTO MESMO?

Para quem está sentado nas fileiras da consulência, é! Pois não diferenciam o encarnado do espírito.

Depois de entrar para a corrente mediúnica é que passei a ver os médiuns de Umbanda como pessoas comuns, com profissões comuns, com vida comum e pensamentos comuns na maioria.

Em alguns casos me decepciono, pois alguns guardam mágoas, são ciumentos, fofoqueiros, maledicentes, orgulhosos, vaidosos e indiferentes.

Como entender isso? Os médiuns, sendo pessoas tão especiais, que acoplam em seus corpos seres divinos, como entender que os conselhos, a sabedoria, a determinação e a coragem de seus guias não transformem seus mentais, não toquem seus corações?

Refletindo sobre isso, um desses enviados divinos nos sopra nos ouvidos: “Procure conhecimento e reflita sobre ele e encontrará a sabedoria. Saiba o que é merecimento, liberdade de escolha, dívidas, carmas e justiça divina. Lembre-se que é preciso sabedoria para entender a ignorância humana. É preciso compreensão do que é AMAR O PRÓXIMO. É preciso ser humilde para aceitar as diferenças e mesmo assim olhar o mundo como quem se olha no espelho.”

Conforme vamos seguindo neste caminho começamos a entender algumas máximas umbandistas:

“Umbanda é a escola da vida” (Caboclo Mirim)

“Acolher a todos e a nenhum virar as costas, aprender com quem sabe mais e ensinar a quem sabe menos” (Caboclo das Sete Encruzilhadas)

Dentro do terreiro é um bom lugar para aprender e exercitar a tolerância, aceitar as diferenças, propagar o perdão, respeitar os diferentes níveis de cada um, seja social, cultural, moral ou evolutivo. É o lugar certo para aprender que a justiça divina não se contesta, se aceita, pois desconhecemos os direitos e deveres de cada um perante Deus.

E a justiça não é aquilo que nos favorece ou conforta, justiça é algo de Deus para com todos.

O caminho espiritual pode ser algo solitário, mas todos os umbandistas estão no caminho e em algum momento nessa caminhada (em diferentes épocas ou estágios) todos deverão ser tocados pela Senhora da Luz Velada, conforme seu merecimento, pela mão justa do Divino e o amparo dos guias espirituais.

Respeito às diferenças e a aceitação destas, além da resignada lição de todos os dias, são os ensinamentos que a escola da vida nos dá.

Texto publicado no JUS (Jornal de Umbanda Sagrada).
Contatos com o autor: Antonio.bishop@terra.com.br

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A revolução umbandista - por Alexandre Cumino



Umbanda sempre foi e sempre será: paz, amor e caridade. Seu fundamento básico nunca muda: “Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da caridade”.

Creio que nunca será demais repetir essas palavras, que são do primeiro umbandista, Zélio de Moraes, incorporado do Caboclo das Sete Encruzilhadas, em 1908. Essa é a nossa base fundamental, nosso alicerce, nossa unidade, que se completa com essa frase: “com quem sabe mais vamos aprender, a quem sabe menos vamos ensinar e a ninguém virar as costas”.

Zélio de Moraes e o Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciaram a nova religião de uma forma muito simples. Seus fundamentos maiores dizem respeito à essência da caridade espiritual e ao ato de incorporar entidades que se agrupam nas linhas de trabalho (caboclo, preto-velho...) e dentro de uma liturgia, um ritual, que acontece dentro de um templo (tenda, centro, terreiro...).

Sem dogmas ou tabus, a Umbanda se manifesta diversa, mantendo sua unidade essencial, que é em si seus fundamentos básicos.

Dentro desse contexto, há espaço para que essa religião acompanhe a evolução dos tempos sem choques entre a doutrina e a modernidade, por exemplo. A sociedade evolui como um todo e a Umbanda tem condições de evoluir junto, reciclar-se e renascer a cada período. Estamos atualmente num desses períodos de mudança, na sociedade e na Umbanda.

Uma revolução pacífica e silenciosa está acontecendo na religião. Podemos observar aos poucos uma mudança de perfil e comportamento dentro da Umbanda.

Cada vez menos temos ouvido a frase: “Eu não sei nada, meu guia é quem sabe tudo”.

A ideia de que um médium não deveria estudar, para não atrapalhar o trabalho de seu guia, está cada vez mais caindo por terra e fora da realidade. Quem atrapalha, interfere ou mistifica, faz com ou sem informação, pois é um sinal de desenvolvimento às pressas ou falta de ética ou bom senso. Não estudar sempre será sinal de ignorância.

As tradicionais respostas: “você ainda não está pronto para este conhecimento” ou “ainda não é hora de você aprender tal fundamento”, para todos os questionamentos dos médiuns, já não encontram muito espaço na Umbanda.

Sonegar informação, manipular pessoas com tirania, coerção, usando um poder que não lhe pertence de fato, ou abusar de um “segredo” como instrumento de um poder efêmero já não cabe na Umbanda e não funciona com essa geração, ligada na internet e no Google.

Essa nova geração cresceu lendo livros de Umbanda, consultando a internet e perguntando o porquê de cada fundamento. Cada vez mais os sacerdotes de Umbanda devem se preparar para escolher bem e estar à altura dessa nova geração, afinal essa é a geração que vai reconstruir a Umbanda no futuro, e só nos cabe optar por aceitar e participar, ou nos colocar no ostracismo de “múmias” de um tempo perdido, no qual tudo era dogma, segredo ou tabu.

De tempos em tempos a Umbanda se recicla.

Do seu início acanhado de 1908 a 1920,seguiu uma multiplicação primeira de 1930 a 1940, houve uma grande expansão de 1940 a 1970 e o grande esvaziamento da religião entre 1980 e 1990.

Agora a Umbanda vive um período único de amadurecimento e expansão lenta em passos firmes. Estamos aos poucos vencendo o preconceito e mostrando à sociedade o que é Umbanda. Cada um de nós umbandistas é um formador de opinião, não podemos nos omitir e temos a responsabilidade de nos preparar cada vez mais para esclarecer aos que nos cercam e a nós mesmos.

Hoje temos bons cursos, livros e jornais, como este, Jornal de Umbanda Sagrada, que tem distribuição gratuita há mais de dez anos, divulgando os princípios e fundamentos da religião de Umbanda. Só não se informa quem não quer.

Continua valendo o velho adágio: “quem não vem pelo amor, vem pela dor”. Mas agora, nas palavras do irmão Adriano Camargo, temos a terceira via, a do conhecimento. Muitos chegam à Umbanda por meio do conhecimento, com sede de saber, e encontram em seu seio informação para o corpo, mente, espírito e coração.

O jovem umbandista, o adolescente, já chega dentro e inserido nessa realidade, nessa “revolução umbandista”.

Graças a Deus e aos Orixás, alguns visionários como Pai Ronaldo Linares e Rubens Saraceni ouviram o chamado do astral e prepararam muitos médiuns e sacerdotes para dar o amparo intelectual, de conhecimento e cultura como berço da Umbanda que queremos... para muito além da Umbanda que temos, pois tudo evolui sempre.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

História de um preto-velho - mais um conto de Fernanda Mesquita



Era um dia frio, como tantos outros na Serra de Petrópolis...

Lá iam os negros escravos cumprir com sua nova missão: ajudar a construção de uma passagem de linha férrea que ligasse o Rio de Janeiro à Serra da Estrela e assim, sua Majestade e toda a corte imperial poderiam enfim ter mais conforto para chegar às casas de veraneio que cresciam cada vez mais imponentes na Cidade Imperial.

-Socorro! - Gritava um escravo preso em um buraco que o capataz havia feito para que os negros fossem postos lá como forma de castigo e assim aprendessem que não havia outra alternativa a não ser trabalhar.

Só que este escravo já estava preso há dias, tinha fome, sede e as mãos sangravam devido ao trabalho excessivo a que fora exposto naqueles dias frios de Inverno.

Ninguém ouvia o negro escravo, pois os buracos eram feitos aos montes e distante da via férrea para que não houvesse contato com os outros escravos. Depois que o negro morria, jogavam terra em cima do buraco e, com o decorrer do tempo surgiu o “Cemitério dos Escravos”, como ficou conhecido mais tarde.

Mais de cem anos se passam...

-Estou cansada!Podemos parar aqui um pouco pra descansar? - Diz Ana para os outros dois amigos.

-Acho que sim! - Diz Alex - Creio até ser um ótimo lugar para acamparmos por hoje. Já vai escurecer, estamos caminhando desde o começo da Serra sem parar. Vamos ficar aqui hoje e continuar pela manhã bem cedo. Tudo bem pra você Raul?

-Por mim... - Resmungou Raul que não gostou nem um pouco da idéia de refazer a pé, a 845 metros de altitude o “caminho do ouro”, como ficou conhecido na época de D. Pedro II.

Os jovens armaram suas barracas, buscaram lenha e sentiam a brisa fria que já chegava, quando apareceu caminhando ao longe um senhor, que ao chegar perto dos meninos, perguntou:

-Posso me sentar um pouco em frente à fogueira que vocês fizeram pra me esquentar um pouco? Estou cansado...

O velho foi se sentando em um toco de árvore perto da fogueira e os jovens, sem entender de onde veio aquele velho, consentiram e fitaram-no por alguns minutos.

Antes que eles dissessem alguma coisa o Velho começou a falar:

-Lugar sofrido foi esse aqui, para satisfazê o bem estar dos brancos, muitos negros sofreram e morreram aqui, sabiam? Pés e mãos sangravam, mas o trabaio não podia parar, nem criança escapava do trabaio pesado . Tinham que carregar pedras e, muitas pedras foram colocadas em cima das “cova” onde jaziam os corpos dos escravos. As crianças não tinham trapos pra vestir e os mais véios muitas das veiz tinha que deitar sobre a criança pra mó dela não morre di frio... Fizeram uma Zenzala pra deixá os escravos por aqui mesmo,então sempre que dava,nóis pegava uns mato que desse pra cubri as criança que muitas das veiz morria di frio... Quando o capataz queria castiga nóis, tacava fogo nos mato que servia pra cubri as criança e deixava todo mundo trancafiado dentro da senzala, aspirando aquela fumaça toda, e muitas das veiz os pequeno morria porque num agüentava, né fio, a fumaçada que durava muitas horas... Triste di si vê, mas nóis num pudia grita nem fala nada, pra mó di num se jogado nas cova funda mato adentro e fica lá agonizando até a morte... Vida de nós foi sofrida, fios!

Com os olhos arregalados, diante do velho que ali falava, Raul disse:

-Mas, mas... você é... quer dizer era... um negro escravo? Você... - e, antes que ele concluísse, o velho com um meio sorriso falou:

-Sim fio! Sou um Preto-Velho escravo, que aqui muito sofreu e hoje venho através da Umbanda ajudar a todos que de mim precisam, e muitos outros igual a mim estão hoje ajudando num terreiro a praticá o amor, a caridade a todos que di nós precise viu, fio?

E, com a manhã chegando, o velho se levantou e foi caminhando pra dentro das matas.

Ana, completamente atordoada com tudo o que ouvira durante toda aquela noite, não teve tempo de temer aquele velhinho que mostrava nos olhos toda uma saga de vida sofrida e antes que ele sumisse na mata fria e úmida, ela gritou:

-Ei! Qual é o nome do Senhor?

-E o velho, já bem longe, gritou em voz bem firme:

-Pai Miguel é o meu nome.

Raul, não acreditando naquilo tudo, correu atrás do velhinho, achando tudo ter se tratado de uma brincadeira de muito mau gosto. Chegando no ponto que o velho sumiu, Raul topou em uma pedra e, olhando pra baixo viu escrito na pedra: ”P. Miguel.”

Alguns anos mais se passaram, quando os jovens, visitando um terreiro de Umbanda em uma festa em homenagem aos Pretos-Velhos, mais uma vez tiveram uma grande surpresa:

Lá na frente, um Preto-Velho comandava a gira e, com os olhos marejados de alegria dessa vez, disse:

-Que todos os fios que vieram aqui hoje consigam recebê as graças de Nosso Pai Maior, e que os véio que aqui estarão hoje, ajudem a todos suncês no caminho da evolução espiritual!

E o Nego Velho, olhando para os três que ali se encontravam no meio da multidão, que ansiava para entrar, ergueu os braços e falou:

-Venham cá meus fios, venham dá um abraço nesse Nego Véio, que esperava por suncês há muito tempo!

-E os três numa só vozsussuraram : ”Pai Miguel??!”

E foi assim que começou o caminho dos três jovens na prática da caridade naquele terreiro de Umbanda junto de Pai Miguel das Almas....

domingo, 12 de fevereiro de 2012

A casa do Barão - um conto de Fernanda Mesquita




-Não chore! - dizia Preta Zica ao escravo João preso pelo capataz por ter sido pego tomando o leite que acabara de ser tirado da vaca que pertencia ao Barão.

João havia sido preso a um elo de aço, entre tantos outros negros escravos que ficavam sob a casa do Barão de Águas Claras.

A maioria dos casarões da Corte Imperial situados a Rua Koeler, eram de pessoas da alta sociedade e amigos de D.Pedro II, esses,trancafiavam seus escravos sob os imponentes casarões, sendo um alçapão a única forma de se chegar até a “senzala improvisada” que ficava sob o assoalho das casas dos senhores de escravos,não havendo assim, possibilidade de fuga.

-Um dia hei de me vingar e colocar esses brancos malditos presos aqui onde me encontro hoje! Nesse dia eles sentirão na pele e pagarão seitil por seitil o que fazem com todos nós - dizia o escravo João, inconformado por ter sido preso tentando saciar a sua fome.

-Fio, não devemos ter sentimentos de ódio... que seja feita a vontade do Senhor...tenhamos fé! - dizia Preta Zica.

O inverno rigoroso da Cidade Imperial fazia com que muitos negros, que se encontravam presos pelas mais variadas formas pelo capataz do Barão, acabassem por adoecer, outras vezes até morrer devido às condições precárias de vida às quais eram impostos, padecendo de males como a pneumonia.

Em uma noite de chuva, o Barão precisou que seu capataz se ausentasse do casarão a fim de levar uma encomenda urgente a 20 quilômetros dali, ficando assim, sozinho np local.

Decorridas algumas horas, ele ouviu ruídos, murmurinhos e risadas que vinham da parte inferior da casa e, vendo que se tratava dos escravos, desceu até a “senzala” pra calar a boca dos negros insolentes. Mas chegando à parte de baixo, ele foi surpreendido por outros negros que o pegaram e rapidamente o colocaram preso ao lado do escravo João, que ria da situação.

-Seus insolentes! Quando o capataz voltar vocês pagarão com a vida!

E antes que o Barão tivesse tempo de dizer outra frase, eles pegaram um copo de vinho com veneno e fizeram o velho beber, vindo este a falecer em questão de minutos.

Nem todos os escravos que ali estavam conseguiram fugir, pois os mais debilitados sabiam que não conseguiram ir longe, então decidiram ficar e sorver da bebida letal, pois eles sabiam que não sobreviveriam quando o capataz retornasse ao casarão.

Passados muitos invernos desde aquela triste noite, e chegando nos dias atuais, veremos Pai Carlos, renomado Pai de Santo do Terreiro Luz Divina e mais doze médiuns indo até um Casarão para fazer uma limpeza espiritual a pedido de um casal atemorizado por espíritos em sua residência.

-Muito bem! Todos estão prontos para o início dos trabalhos?

-Espere! Que barulhos são esses vindos do assoalho da casa? - perguntou Antônio ao Casal que de pronto respondeu:

-Isso é pouco! Acho que deveriam ir lá embaixo onde era a “senzala” antes de começar qualquer coisa.

Ao que Pai Carlos autorizou, Antônio, um dos médiuns mais antigos, desceu juntamente com outros dois médiuns para tentar descobrir o que se passava lá embaixo.

Antônio nunca sentira vibração como aquela; o chão de terra batida mostrava traços de escravidão, com correntes enferrujadas, algumas poucas presas ainda a parede e, em um canto, uma coisa parecida com uma gaiola onde provavelmente ficavam os escravos quando eram castigados pelos seus senhores.

Vinham à mente de Antônio perturbações de diversas formas: escravos sendo açoitados e presos nas gaiolas até padecerem, mulheres negras pedindo água, muito choro, palavras de ódio, pedidos de vingança, visões distorcidas que o fizeram pedir ajuda de Pai Carlos.

Pai Carlos desceu até Antônio e depois de uma prece, ao que Antônio se sentiu melhor, o sacerdote começou os trabalhos daquela noite ali mesmo sob os olhos surpresos de todos.

O Preto-Velho de Antônio, foi para a parte superior da casa a fim de acender sete velas em um local específico para o bom andamento dos trabalhos e, ao que acendeu a última vela, veio uma ventania que apagou todas as outras ao mesmo tempo.

O Preto-Velho olhou para frente e avistou um homem de meia idade, branco e que parecia xingar alguém andando rápido como se estivesse à procura de algo ou alguém, sem nem perceber o Preto-Velho que ali estava.

-É......sussurrou o Preto-Velho...

Voltando à parte debaixo do casarão,os Pretos-Velhos que estavam fazendo a limpeza da casa, terminaram seus trabalhos e o Preto-Velho de comando disse aos médiuns que mantivessem os pensamentos elevados, pois havia escravos ali que, por terem tirado a própria vida antes da hora, ainda se encontravam presos naquele lugar e mais ainda, o espírito de um senhor que parecia ser o dono da casa, que não aceitava a situação em que se encontrava, vagava e precisava de muita oração, pois ele acreditava que se deixasse a casa, os escravos tomariam o lugar que era dele. E assim se passou uma longa noite de trabalhos espirituais a fim de findar ou pelo menos amenizar a situação em que se encontrava o casarão.

Mesmo com a ajuda de treze médiuns naquela noite na Casa do Barão, os donos decidiram por vender a propriedade para uma rede de hotéis, pois ficaram impressionados com tudo o que passaram desde o primeiro dia que pra lá se mudaram. O casarão passou por reformas e hoje recebe turistas de todo canto do país e do mundo.

Vocês devem estar se perguntando: E quanto ao Barão? A senzala ? Os escravos?
Bem, dizem os empregados que lá trabalham, que às vezes ouvem murmúrios que parecem vir da parte debaixo da casa e passos largos no cômodo onde dormia o Barão de Águas Claras.....

12/02/2012

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Zélio de Moraes por Zélio de Moraes



Com 82 anos de idade, este homem é considerado por um pequeno grupo de umbandistas “o fundador da Umbanda”. Cabelos grisalhos, fisionomia serena e simples, Zélio de Moraes, através de seu guia espiritual, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, só sabe praticar o amor e a humildade.

“_Na minha família todos são da Marinha: almirantes, comandantes, um capitão-de-mar-e-guerra... Só eu que não sou nada” – comentava sorrindo Zélio de Moraes, aos amigos que o visitavam, nessa manhã ensolarada.

E a repórter antes mesmo de se apresentar retrucou:

“_Almirantes ilustres, capitães-de-mar-e-guerra há muitos; o médium do Caboclo das Sete Encruzilhadas, porém, é um só”.

Levantando-se, Zélio de Moraes, magrinho, de estatura mediana, cabelos grisalhos, fisionomia serena e de uma simplicidade sem igual – acolheu-me, como se fôssemos velhos conhecidos. Nesse ambiente cordial, sentindo-me completamente à vontade, possuída de um estranho bem-estar, esquecendo quase a minha função jornalística, iniciei uma palestra, que se prolongaria por várias horas, deixando-me uma impressão inesquecível.

Perguntei-lhe como ocorrera a eclosão de sua mediunidade e de que forma se manifestara, pela primeira vez, o Caboclo das Sete Encruzilhadas.

“_Eu estava paralítico, desenganado pelos médicos. Certo dia, para surpresa de minha família, sentei-me em minha cama e disse que no dia seguinte estaria curado. Isso foi a 14 de novembro de 1908. Eu tinha 18 anos. No dia seguinte amanheci bom. Meus pais eram católicos, mas diante dessa cura inexplicável, resolveram levar-me à Federação Espírita de Niterói, cujo presidente era o senhor José de Souza.

Foi ele mesmo quem me chamou para que ocupasse um lugar à mesa de trabalhos à sua direita. Senti-me deslocado, constrangido, em meio àqueles senhores. E causei logo um pequeno tumulto. Sem saber porque, em dado momento, eu disse: “falta uma flor nessa mesa, vou buscá-la”. E, apesar da advertência de que não poderia me afastar, levantei-me, fui ao jardim e voltei com uma flor que coloquei no centro da mesa.

Serenado o ambiente e iniciados os trabalhos, verifiquei que os espíritos que se apresentavam aos videntes como índios e pretos eram convidados a se afastar. Foi então que, impelido por uma força estranha, levantei-me outra vez e perguntei porque não se podiam manifestar esses espíritos que, embora de aspecto humilde, eram trabalhadores. Estabeleceu-se um debate e um dos videntes, tomando a palavra, indagou:

“_O irmão é um padre jesuíta. Por que fala dessa maneira e qual é o seu nome?”

Respondi sem querer:

“_Amanhã estarei em casa deste aparelho, simbolizando a igualdade e a humildade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem um nome, que seja este: sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas”.

Minha família ficou apavorada. No dia seguinte, verdadeira romaria formou-se na Rua Floriano Peixoto, onde eu morava, no número 30. Parentes, desconhecidos, os tios, que eram sacerdotes católicos, e quase todos os membros da Federação Espírita, naturalmente em busca de uma comprovação. O Caboclo das Sete Encruzilhadas manifestou-se, dando-nos a primeira sessão de Umbanda na forma em que, daí para frente, realizaria seus trabalhos.

Como primeira prova de sua presença, através do passe, curou um paralítico, entregando a conclusão da cura ao Preto-Velho, Pai Antônio, que nesse mesmo dia se apresentou.

Estava criada a primeira Tenda de Umbanda, com o nome de Nossa Senhora da Piedade, porque assim como a imagem de Maria ampara em seus braços o Filho, seria o amparo de todos que a ela recorressem.

O Caboclo determinou que as sessões seriam diárias, das 20 às 22 horas e o atendimento gratuito, obedecendo o lema “daí de graça o que de graça recebestes”. O uniforme totalmente branco e o sapato tênis.

Desse dia em diante, já ao amanhecer havia gente à porta, em busca de passes, cura e conselhos. Médiuns que não tinham a oportunidade de trabalhar espiritualmente por só receberem entidades que se apresentavam como caboclos e pretos-velhos passaram a cooperar nos trabalhos. Outros, considerados portadores de doenças mentais desconhecidas revelaram-se médiuns excepcionais, de incorporação e de transporte”.

Citando nomes e datas com precisão extraordiária, Zélio de Moraes relata o que foram os primeiros anos de sua atividade mediúnica.

Dez anos depois, o Caboclo da Sete Encruzilhadas anunciou a segunda fase da sua missão: a fundação de sete templos de Umbanda e, nas reuniões mediúnicas que se realizavam às quintas-feiras, foi destacando os médiuns que assumiriam a direção das novas tendas: a primeira com o nome de Nossa Senhora da Conceição e, sucessivamente, Nossa Senhora da Guia, São Pedro, Santa Bárbara, São Jorge, Oxalá e São Jerônimo.

“_ Na época – prossegue Zélio – imperava a feitiçaria, trabalhava-se muito para o mal, através de objetos materiais, aves e animais sacrificados, tudo a preços elevadíssimos. Para combater esses trabalhos de magia negativa, o Caboclo trouxe outra entidade, o Orixá Malé, que destruía esses malefícios e curava obsedados. Ainda hoje isso existe: há que trabalhe para fazer ou desmanchar feitiçarias só para ganhar dinheiro.

Mas eu digo: não há ninguém que possa contar que eu cobrei um tostão pelas curas que se realizavam em nossa casa; milhares de obsedados, encaminhados inclusive pelos médicos dos sanatórios de doentes mentais... E quando apresentavam ao Caboclo a relação desses enfermos, ele indicava os que poderiam ser curados espiritualmente; os outros dependiam de tratamento material”.

Perguntei então a Zélio a sua opinião sobre o sacrifício de animais que alguns médiuns fazem na intenção dos orixás. Zélio absteve-se de opinar, limitou-se a dizer:

“_Os meus guias nunca mandaram sacrificar animais, nem permitiram que se cobrasse um centavo pelos trabalhos efetuados. No Espiritismo não pode pensar em ganhar dinheiro, deve-se pensar em Deus e no preparo para a vida futura”.

O Caboclo das Sete Encruzilhadas não adotava atabaques nem palmas para marcar o ritmo dos cânticos e nem objetos de adorno, como capacetes, cocares, etc. Quanto ao número de guias a ser usado pelo médium, Zélio opinina:

“_A guia deve ser feita de acordo com os protetores que se manifestam. Para o preto-velho deve-se usar a guia de preto-velho; para o caboclo, a guia correspondente ao caboclo. É o bastante, não há necessidade de carregar cinco ou dez guias no pescoço...”

Considera o Exu um espírito trabalhador como todos os outros:

“_O trabalho com os exus requer muitos cuidados. É fácil ao mau médium dar manifestação como exu e ser, na realidade, um espírito atrasado, como acontece também na incorporação com criança. Considero o exu como um espírito que foi despertado das trevas e, progredindo na escala evolutiva, trabalha em benefício dos necessitados.

O Caboclo das Sete Encruzilhadas ensinava que o exu é, como na polícia, o soldado.

O chefe de polícia não prende o malfeitor; o delegado também não prende. Quem prende é o soldado que executa as ordens dos chefes. E o exu é um espírito que se prontifica a fazer o bem, porque cada passo que dá em benefício de alguém é mais uma luz que adquire. Atrair o espírito atrasado que estiver obsedando e afastá-lo é um dos seus trabalhos. E é assim que vai evoluindo. Torna-se, portanto, um auxiliar do orixá.

CINQUENTA ANOS DE ATIVIDADE MEDIÚNICA

Relembrando fatos passados em mais de meio século de atividade espiritualista, Zélio refere-se a centenas de tendas de Umbanda fundadas na Guanabara, Rio de Janeiro, estado de São Paulo, Minas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul. A Federação de Umbanda do Brasil, hoje União Espiritista de Umbanda do Brasil, foi criada por determinação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, em 26 de agosto de 1939.

Da Tenda Nossa Senhora da Piedade saíam constantemente médiuns de capacidade comprovada, com a missão de dirigir novos templos umbandistas; entre eles José Meireles, na época deputado federal; José Álvares Pessoa, que deixou uma lembrança indelével de sua extraordinária cultura espiritualista; Martinho Mendes Ferreira, presidente da atual Congregação Espírita Umbandista do Brasil; Carlos Monte de Almeida, um dos diretores de culto da T.U.L.E.F; João Severino Ramos, trabalhando ainda hoje ativamente, inclusive na Assessoria de Culto do Conselho Nacional Deliberativo da Umbanda.

Outros, fugindo às rígidas determinações de humildade e caridade do Caboclo das Sete Encruzilhadas, desvirtuaram normas do culto. Mas a Umbanda, preconizada através da mediunidade de Zélio de Moraes, difundiu-se e hoje podemos encontrar suas características em tendas modestas e nos grandes templos, como o Caminheiros da Verdade a Tenda Mirim, nos quais a orientação de João Carneiro de Almeida e Benjamin Figueiredo mantém elevado nível de espiritualidade, no Primado de Umbanda, uma das mais perfeitas entidades associativas da nossa religião.

Durante mais de cinqüenta anos, o Caboclo da Sete Encruzilhadas dirigiu a Tenda Nossa Senhora da Piedade; após esse tempo, passou a direção à filha mais velha do médium, Zélia, aparelho do Caboclo Sete Flechas. Entretanto, Pai Antônio continua trabalhando, na cabana que mantém o seu nome, localizado num sítio maravilhoso, em Cachoeiras do Macacu. O Caboclo manifesta-se ainda em datas especiais, como foi o exemplo do 63º aniversário daquela tenda. Da gravação feita durante a celebração festiva, reproduzimos para os leitores a gravação final da mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas.

“A Umbanda tem progredido e vai progredir muito ainda. É preciso haver sinceridade, amor de irmão para irmão, para que a vil moeda não venha a destruir o médium, que será mais tarde expulso, como Jesus expulsou os vendilhões do templo.

É preciso estar sempre de prevenção contra os obsessores, que podem atingir o médium. É preciso ter cuidado e haver moral, para que a Umbanda progrida e seja sempre uma Umbanda de humildade, amor e caridade. Essa é a nossa bandeira.

Meus irmãos, sede humildes, trazei amor no coração para que pela vossa mediunidade possa baixar um espírito superior; sempre afinados com a virtude que Jesus pregou na Terra, para que venha buscar socorro em vossas casas de caridade, todo o Brasil... Tenho uma coisa a vos pedir: se Jesus veio à Terra na humildade manjedoura, não foi por acaso, não. Foi porque o Pai assim o determinou.

Que o nascimento de Jesus, o espírito que viria traçar à humanidade o caminho de obter a paz, saúde e felicidade, a humildade em que ele baixou nesse planeta, a estrela que iluminou aquele estábulo, sirva para vós, iluminando vossos espíritos, retirando os escuros da maldade por pensamento, por ações; que Deus perdoe tudo que tiverdes feito ou as maldades que podeis haver pensado, para que a paz possa reinar em vossos corações e em vossos lares.

Eu, meus irmãos, como o menor espírito que baixou à Terra, mas amigo de todos, numa concentração perfeita dos espíritos, que me rodeiam nesse momento, peço que eles sintam a necessidade de cada um de vós e que, ao sairdes desse templo de caridade, encontreis os caminhos abertos, vossos enfermos curados e a saúde para sempre em vossa matéria. Com o meu voto de paz, saúde e felicidade, com humildade, amor e caridade, serei sempre o humilde Caboclo das Sete Encruzilhadas.

Reportagem feita por Lila Ribeiro, Lucy e Creuza para a revista “Gira de Umbanda”, nº 1, em 1972.

Texto enviado por Alexandre Cumino, via email