Sete
velas pretas, sete velas vermelhas... – conferiu mais uma vez e lembrou feliz,
ao ver que uma tinha se partido ao meio, que comprou uma vela a mais de cada
cor, justamente para evitar que um contratempo atrapalhasse o trabalho.
Um carro passou e ela se virou,
dando as costas à estrada. Não queria
que ninguém a visse ali, na encruzilhada fazendo uma macumbinha. Estava bastante convicta do que queria, mas
não custava nada evitar ser vista, afinal o que diriam os conhecidos se fosse
flagrada com aquela parafernália toda, despachando um “trabalho” na
encruzilhada?
Conferiu a lista mais uma vez: as
velas, as bebidas, os charutos, os cigarros...
havia outras coisas também – geralmente mal vistas pelas pessoas, como
uma galinha morta, uma língua de boi, um coração... estava tudo ali. Não havia esquecido também os pedidos
escritos num pedaço de papel. Já que ia
à encruzilhada, resolveu pedir tudo que ansiava. Pediu que aquela vizinha intrometida se
mudasse para bem longe, que a falsa amiga mordesse e língua e se desse mal no
trabalho, que aquela sirigaita que lançava olhares insinuantes ao seu namorado
quebrasse as duas pernas e, obviamente, que ele, o namorado, ficasse sempre ao
seu lado, submisso e escravo do seu amor, cego para outras mulheres e
prisioneiro de seus caprichos.
Certamente os exus as pombogiras a ajudariam e ele seria sua propriedade
exclusiva.
_Sim, os exus e pombogiras me
ajudarão – pensou novamente, convicta de que os estava pagando muito bem com
tudo que aquilo que despejava sobre o chão da encruzilhada.
Por um momento observou novamente
todo aquele material e pensou no quanto gastou com aquilo. Além do que aquela amiga “macumbeira” havia
indicado, comprou outras coisas por conta própria, pois assim acreditava que
reforçaria o trabalho. Rosas e cravos vermelhos certamente seriam bem aceitos
pelos espíritos, além de um perfume (barato, é verdade) e um alguidar com
farofa amarela, tudo colocado sobre uma toalha vermelha. Se eles a ajudariam com a receitinha dada
pela amiga, imagine então com tudo aquilo que acrescentou... Vendo tudo aquilo, achou que sua oferenda
estava acima dos padrões financeiros usados nas macumbas que se vê por aí e
adicionou alguns pedidos à sua lista.
Pediu um aumento salarial, a desventura de outro desafeto, além de
reforçar o pedido – quase uma exigência – para que o namorado ficasse a seus
pés.
Escondeu-se mais uma vez de outro
carro que passava e colocou tudo aquilo sobre o chão. Colocou de qualquer jeito, nem se deu ao
trabalho de abrir as garrafas de bebidas – não comprou das mais baratas, fez
questão de lembrar. Foi aí que recordou
que sua amiga “macumbeira” havia dito que os espíritos não conseguem abrir
garrafas e nem acender cigarros ou charutos.
Tratou de realizar essa tarefa meio a contragosto e resolveu ajeitar os
materiais sobre a toalha.
_Até que ficou bonito – disse
baixinho.
Em seguida bateu palmas próximo às
velas, conforme a amiga havia ensinado, e chamou pelo nome dos exus e das
pombogiras. Não poupou ninguém: Exu
Pimenta, Tranca-Ruas, Exu Veludo, Exu da Meia-Noite, Marabô, Morcego, Maria
Mulambo, Maria Padilha, Dama da Noite, Sete Saias... nomes famosos que permeiam o universo da
Umbanda e da Quimbanda.
Terminado o confuso ritual, deu três
passinhos para trás, se virou de costas e tomou seu rumo, certa de que seria
atendida em seus pedidos o mais breve possível.
Assim que saiu, um grupo de kiumbas, espíritos zombeteiros e trevosos da
pior espécie, se aproximaram daquela bagunça que emporcalhava a via pública e
passaram a se divertir com aquele banquete que lhes foi deixado. Assim que terminasse sua festa, iriam atrás
daquela tola menina, a fim de confundir seus pensamentos, dando-lhe falsas
impressões de sucesso e esperanças, e em seguida paranoias e sensação de
fracasso, que iriam confundir-lhe as ideias, causando medo, insônia,
insegurança e toda uma gama de fatores que a fariam ouvir novamente conselhos
de pessoas mal informadas, mal esclarecidas e até mal intencionadas como essa
amiga “macumbeira”, e iria novamente a uma encruzilhada servir esses kiumbas
obsessores vez após vez, até se tornar escrava de sua própria loucura.
Um pouco distante, os verdadeiros
exus e pombogiras, incansáveis trabalhadores do Astral, observavam tristes
àquela cena. Os (verdadeiros) exus da
Meia-Noite, Pimenta, Marabô, Morcego, Tranca-Ruas, acompanhados das Senhoras
Sete Saias, Maria Mulambo, Maria Padilha e Dama da Noite não interferiram de
imediato, pois algumas criaturas não ouvem bons conselhos, não aprendem pelo caminho
mais fácil, precisam trilhar o caminho da dor para que o conhecimento sobre a
moral espiritual seja compreendida.
Sabiam que aquela pobre coitada teria que sofrer para deixar de ser
egoísta. Teria que sentir os efeitos do
mundo espiritual para aprender a respeitá-lo.
Eles sabiam que, após toda aquela bagunça que ela chamava de “trabalho”
e de “despacho”, seria perseguida pelos kiumbas e que isso sim a faria procurar
um lugar sério, onde eles seriam afastados dela e enfim ela se tornaria também
uma trabalhadora da espiritualidade na terra, auxiliando outras pessoas para
que não cometessem o mesmo erro. Ou
então, se insistisse na sua teimosia e egoísmo em querer manipular as coisas e
as pessoas com a ajuda de espíritos, acabaria se decepcionando por não atingir
seus objetivos escusos e se afastaria definitivamente daquilo que ela
erroneamente acreditava ser Umbanda. Não
passando pela peneira da Umbanda talvez se convertesse a uma religião da moda e
passasse a se autointitular “ex-mãe-de-encosto”...
Douglas
Fersan
Julho
de 2012.
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