quinta-feira, 21 de abril de 2011
Renascer é preciso - Por Douglas Fersan
Nessa semana comemoramos a Páscoa, uma festa tradicionalmente cristã – e católica em especial. O significado da Páscoa é o renascimento, a renovação, a nova vida. E, embora seja uma tradição católica, não podemos negar que renascer e renovar é sempre importante. Jogar fora os sentimentos negativos, que nada acrescentam e que só funcionam como uma peçonha que percorre as veias no lugar do sangue, contaminando o corpo e a alma é salutar para todos, pouco importando a religião, pois o que vale é evoluir enquanto seres humanos e espirituais, criaturas de Olorum, que nos quer límpidos e serenos.
Do Orum, o céu dos Orixás, podia-se observar o Aiê, a morada dos humanos na Terra. Sentado e apoiando o cotovelo sobre um dos joelhos e o queixo sobre o punho, Oxalá observava a movimentação intensa dos homens, que em sua frenética corrida do dia-a-dia, esqueciam sua essência divina, esqueciam que eram irmãos e esqueciam até mesmo que deviam respeito uns aos outros.
Alguns homens preocupavam-se tanto com seus problemas terrenos (trabalho, dinheiro, compromissos profissionais) que sequer lembravam de si mesmos. Não se davam o direito de passar algumas horas com as pessoas que amavam (isso quando lembravam de amar), não se permitiam uns momentos de diversão, nem mesmo ouvir uma boa música a fim de sensibilizar a alma e serenar o corpo. Estavam completamente tomados pelo espírito do desespero: o desespero de cumprir suas tarefas terrenas.
Outros já haviam se contaminando tanto com a negatividade que cercava o Aiê, que tornaram-se verdadeiros algozes de seus semelhantes. Pouco se importavam com a dor e o sofrimento alheio – havia até os que sentiam prazer com isso. Uma verdadeira marginalia havia se formado e amedrontava a humanidade. E é claro que seres espirituais trevosos e oportunistas se aproveitam dessa situação para disseminar o ódio, o medo, o desequilíbrio e a desordem na Terra.
Havia também os que já não sentiam amor. Enxergavam isso como um sentimento do passado ou talvez algo que nunca existiu. Olhavam apenas para o próprio umbigo e pouco se importavam se para atingir seus objetivos tivessem que pisar em seu semelhante e ferir a ética, já tão maltratada e esquecida. Até o nome de Olorum, nas mais diversas denominações, era usado para atender interesses mesquinhos.
Não faltavam aqueles que se entregam à luxúria. O sexo, ato de perpetuação e consagração do amor, tão abençoado em sua essência, havia sido banalizado ou convertido em um produto, sendo comercializado das mais diversas formas.
Sereno e calmo como sempre, Oxalá observou tudo aquilo. Mas Oxalá não era intempestivo e nem perderia a fé – trono o qual ele ocupava com excelência. Oxalá acreditava em seus filhos; Oxalá acreditava na humanidade.
Sem esboçar qualquer movimento, Oxalá sentiu a aproximação dos demais Orixás divinos. Nada disse, apenas esboçou um sorriso.
Iansã, cheia de determinação e vontade de resolver as situações, balançou sua mão em direção aos céus, como se fosse uma ventalora, e nuvens escuras cobriram todo o Aiê.
Não demorou para que Xangô lançasse seu oxé – machado de lâmina dupla – em direção às nuvens, provocando fortes trovões, atraindo a atenção dos homens que caminhavam sobre a Terra. Por um instante todos esqueceram suas questões mundanas e mesquinhas e preocuparam-se apenas com a tempestade que se aproximava.
Delicadamente Oxum brandiu as mãos e as nuvens descarregaram uma água doce e límpida, que como uma cachoeira lavou o corpo dos homens, que sentindo aquele frescor inesperado, porém reconfortante, nem fizeram questão de esconder da chuva que caía. Cada ser que habitava a Terra deixava a água escorrer sobre seu corpo, levando consigo todas as negatividades que vinham nutrindo há muito tempo. Foi como um banho, que higienizou não o corpo, mas a alma, de toda a sujeira que a tornava densa e distante de sua centelha divina.
Em seguida Iemanjá entoou seu canto inconfundível, que penetrou não apenas os ouvidos, mas cada poro do corpo dos homens, que olharam espantados uns aos outros. Sob a vibração maternal da senhora da vida, da rainha do mar – que gerou a vida – os humanos olharam-se não mais como rivais ou simples desconhecidos. Cada um reconheceu no outro o seu irmão, o seu semelhante, um ser que mesmo não conhecendo, amava como um membro da família, pois identificaram-se todos como filhos da mesma geração divina que lhes dava a vida.
Aproveitando-se desse momento oportuno, Ogum quebrou todas as demandas existentes no Aiê: rancores, inveja, maledicência, desejos de vingança e todas as formas de pensamentos e sentimentos, que mais nocivos que qualquer magia negra, alimentavam a mente dos homens e matavam a sede dos seres trevosos e oportunistas.
Oportunamente o velho Omolu chacoalhou a sua veste de palhas, curando toda doença da alma humana e colocando fim a todo desequilíbrio que reinava sobre o Aiê. Foi como se toda a humanidade junta ingerisse um remédio milagroso para todos os seus males.
Foi a vez de Oxóssi atirar suas setas sobre cada coração e com elas disseminar a sabedoria em cada coração, a sabedoria que fez com que cada um abandonasse o passado escuso e refletisse sobre a própria postura, tendo a coragem e a vitalidade suficiente para superar os erros cometidos.
Nanã de Buruquê fez um movimento lento com a mão trêmula – daqueles movimentos típicos dos mais velhos, e a chuva cessou. A água, que havia lavado os homens dos sentimentos e atitudes tão ruins, correram em direção aos pântanos, onde seriam encerradas e de onde não deveriam mais sair.
Então, do Aiê, a Ibeijada lançou a alegria típica das crianças, que imediatamente contaminou a todos. Exatamente como as crianças fazem quando brincam, os homens se abraçaram e compartilharam sua alegria. Do distante Orum era possível os risos de alegria, tão pueris, vindos da Terra. Sem qualquer medo de ser feliz, os homens se abraçavam, davam-se as mãos e até brincavam, deixando de lado aquele ar sisudo que até tão pouco tempo atrás lhes contaminava o semblante. Não houve espírito soturno que suportasse tanta alegria: todos fugiram daquela energia maravilhosa que contaminava o Aiê.
A Terra não era a mesma. Estava renovada, assim como seus habitantes. Cada um deles havia recebido a emanação dos Orixás que habitam o Orum e tinham reencontrado sua verdadeira essência divina que dá a vida e que deve guiar as atitudes de cada ser que caminha sobre a Terra. A essência que tantas vezes havia sido esquecida em virtude dos problemas, preocupações e mesquinhez de cada um. Os velhos homens haviam “morrido”, mas renasceram imediatamente, livres de qualquer desvio que os afastasse do Divino Criador. Era o renascimento, era a renovação, era a “páscoa” interna de cada um.
Com outro breve sorriso, Oxalá olhou docemente para os demais orixás, que retribuíram a simpatia e cada um tomou seu rumo.
Do mesmo lugar onde se encontrava, Oxalá fez um breve aceno para Exu, que se encontrava na Terra. Exu respondeu ao cumprimento e abriu todos os caminhos da humanidade, que como quem se encontrava numa encruzilhada de múltiplas direções, agora tinha vários novos caminhos a percorrer.
Embora a Páscoa seja uma celebração católica, nada impede a nós, umbandistas, que deixemos a centelha divina dos Orixás brilhar em nossas vidas, nos fazendo renascer melhores a cada dia.
Autor: Douglas Fersan
Boa Páscoa a todos, em especial aos filhos-de-fé do Templo de Doutrina Umbandista Nova Luz em Aruanda.
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