quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Contra a demolição da casa de Zélio de Moraes - por Douglas Fersan




Um país que não preserva sua memória não constrói seu futuro.

No dia 02 de outubro de 2011 um fato lamentável se tornou notícia. A prefeitura de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro, permitiu a demolição da casa onde teria sido fundada a Umbanda.

É fato que a Umbanda não possui uma codificação ou um líder único e que, em virtude disso, muitos umbandistas não reconhecem a manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas através do médium Zélio Fernandino de Moraes como marco inicial da religião. Para muitos, os rituais aos quais hoje chamamos de Umbanda já existiam antes dessa manifestação, dada em 15 de novembro de 1908, no local referido, mas independente de se aceitar ou não, esse evento representa um marco histórico para nossa religião. Mesmo já existindo esses rituais, o dia 15 de novembro pode ser lembrado como um marco para a prática espiritualista, antes elitizada e, a partir de então, alcançando as massas, independente da condição social ou acadêmica.

A história já é conhecida – e quase lendária: após esgotadas as tentativas de curar os “distúrbios” (tais como falar de maneira arrastada, com sotaques diferentes e aparentes mudanças de personalidade) apresentados pelo jovem Zélio, então com 17 anos, seus pais resolvem levá-lo a um Centro Espírita, como último recurso em busca da solução do problema. Durante os trabalhos, Zélio incorpora um espírito que se apresenta como o Caboclo das Sete Encruzilhadas e anuncia a organização de uma nova religião que, diferente do Espiritismo da época, não estaria restrita às elites e abriria espaço para espíritos das mais diferentes origens trabalharem na prática da caridade e em busca de seu progresso espiritual. Essa mesma entidade manifestou-se no dia seguinte, na casa situada na rua Floriano Peixoto, nº 30, no município de São Gonçalo, onde declarou (que a Umbanda): “Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados.”

Para muitos, esse acontecimento representa a própria fundação da Umbanda.

E é justamente essa pequena casa, de construção humilde, que está sendo demolida, em detrimento da história que ela representa. Independente da vertente umbandista que se segue ou de se aceitar a história de Zélio de Moraes, todos perdemos com esse ato, pois o povo que não preserva sua memória não investe em seu futuro, não valoriza a sua identidade, sua cultura e deixa se perder no tempo o passado de lutas e vitórias tão arduamente conquistadas. Fala-se tanto em tolerância religiosa, mas não se faz o mínimo para respeitar o marco de uma religião genuinamente brasileira. Fala-se em memória nacional, mas não se faz o menor esforço para manter vivo o patrimônio de uma religião que se confunde com a própria identidade brasileira.

Até mesmo fiéis de outras religiões, numa atitude respeitosa e inteligente, lamentaram o fato, como o Reverendo Marcos Amaral, da Igreja Presbiteriana de Jacarepaguá, que lamentou o fato da Prefeitura de São Gonçalo ser a primeira a dar exemplo de indiferença à religião umbandista, conforme declarado no Jornal Extra, em 05/10/2011.

Militantes umbandistas da região estão marcando uma manifestação para o dia 07/10/2011, às nove horas da manhã, em frente à casa, a fim de protestar e impedir a demolição do que ainda resta da construção. Manifestar-se é o mínimo que podemos fazer.

Com certeza a Umbanda continuará trabalhando normal e dignamente independente da demolição da casa. Os orixás e entidades não precisam disso, estão muito acima dessas coisas mundanas, mas aos homens, aos encarnados, cabe o mínimo de respeito à crença alheia.

Esperamos que esse patrimônio histórico seja preservado, mas caso isso não aconteça, continuemos avante com a nossa caravana, independente do ladrar dos cães. O máximo que eles conseguem é chamar a atenção para a nossa causa, pois uma casa pode ser demolida, mas a espiritualidade jamais.

Douglas Fersan
Outubro de 2011.

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