segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Raiz e Fé: um estudo sobre a Umbanda (parte 2) - E surgiu a Umbanda (outra breve introdução) - por Douglas Fersan

Dando continuidade à publicação de uma série de textos que produzi com o objetivo de olhar a Umbanda sob um prisma histórico e sociológico, segue "E surgiu a Umbanda (outra breve introdução)". Esse texto foi publicado originalmente no jornal Região em Destaque, em janeiro de 2009. Como sua temática se encaixa perfeitamente no objetivo desse trabalho, resolvi republicá-lo aqui, com algumas pequenas adaptação.
Peço àqueles que quiserem utilizá-lo em sites ou blogs, que apenas preservem a fonte.

Douglas Fersan



Entender a Umbanda é entender o Brasil. Um país rico em variedades étnicas e culturais só pode ser resultado de uma intensa miscigenação ao longo de
seu processo de formação histórica e que ainda hoje mostra-se em
movimento. Diversos elementos contribuíram para a formação desse imenso
país e essa variedade de costumes que o caracteriza. Do seu elemento
étnico primordial – o indígena – pouco restou, levando-se em conta o
massacre de que foram vítimas. No entanto, herdamos vários de seus
costumes e crenças, dos quais podemos destacar diversos topônimos e o
uso de ervas para fins ritualísticos e medicinais.

O colonizador europeu não tardou a impor seus hábitos e crenças, assim, o catolicismo e toda sua liturgia foi introduzido no Brasil, passando a fazer parte da própria identidade nacional. Mais um elemento incorporava-se à massa humana e cultural que formava a nossa população.

Grande e inegável contribuição para esse processo foi dada pelos negros, que vieram cativos da África. Proibidos de realizar seus cultos, nos quais adoravam os Orixás, Inkisies e Voduns – divindades provenientes do panteão africano – trataram logo de encontrar um subterfúgio para garantir a sobrevivência de sua crença: associaram os Orixás aos santos católicos, assim podendo realizar seu culto sem a interferência violenta de seus patrões. Foi criado então, o sincretismo entre santos católicos e divindades africanas e, dessa maneira, os negros deixavam fincadas suas raízes de forma definitiva, na cultura brasileira – era mais um importante elemento que se agregava.

Mais tarde, já na segunda metgade do século XIX, em plena febre do positivismo europeu, surge na França, através do pedagogo Hippolyte León Denizard Rivail (que tornou-se conhecido com o codinome de Alan Kardec), a Doutrina Espírita ou Espiritismo, que tenta levar a comunicação com os espíritos à luz da ciência, além de definir padrões morais e filosóficos sobre questões como a morte, pecado, culpa e carma. Essa nova doutrina encontrou vários adeptos entre a classe média brasileira, e assim, o Espiritismo tornou-se mais popular no Brasil do que em seu país de origem.

A população brasileira, no entanto, assimilou todos esses elementos (e outros mais) e, salvo casos em quem o sectarismo não permitia, criou um verdadeiro emaranhado de todas essas crenças e, mesmo quem se declarava católico “praticante” não titubeava em procurar uma benzedeira ou em fazer uma simpatia. Ao contrário do que pode parecer, isso não significava a falta de uma identidade definica; era a própria identidade nacional que se definia. Dessa maneira, variados cultos proliferaram pelo Brasil afora – como o Catimbó, o Batuque, o Tambor de Mina e o Xangô (o culto, não o Orixá), sem falar nas macumbas cariocas, que embora alguns estudiosos afirmem que ainda não fossem designadas como Umbanda, já apresentavam todo o esboço de sua liturgia.

Embora o Espiritismo estivesse inserido na mentalidade da população brasileira, ele era praticado principalmente pela classe média – que tinha mais acesso às obras literárias dessa doutrina, e que carregava consigo seus conceitos e preconceito. Foi dentro desse contexto que o jovem Zélio Fernandino de Moraes, em 1908, contando com dezessete anos de idade, incorporou, em uma mesa espírita, o Caboclo das Sete Encruzilhadas (um espírito indígena, mas que segundo um médium vidente, assemelhava-se, pelas vestes, a um sacerdote católico) que, diante da reação dos presentes, que não aceitavam a manifestação de espíritos de índios e negros escravos, declarou que estava fundada ali a Umbanda, “uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados”. Para muitos esse fato é tido como a fundação da Umbanda, para outros ela já existia na prática há muito tempo, sendo essa passagem apenas mais uma manifestação de um caboclo, espírito tão comum em seus rituais. A verdade é que, sendo o Caboclo das Sete Encruzilhadas o fundador ou não, a Umbanda é o próprio retrato do Brasil, do processo histórico que o marcou tão profundamente, dos povos que o construíram, da identidade que assumiu para si. Assim como o povo brasileiro, a Umbanda é diversa, contendo em si elementos de diversas crenças que existem no país: a pajelança, o culto aos Orixás, o Catolicismo, o Espiritismo. Históricamente falando, a Umbanda é brasileira em sua essência, pois carrega consigo cada traço e cada cicatriz do povo que construiu o Brasil, suas crenças, seus hábitos e sua fé, mas também é universalista por excelência, pois agrega elementos de diversas partes do mundo. Do primeiro contato entre os diferentes povos e sua diversidade surgiu a Umbanda, ainda hoje presente de maneira discreta – às vezes nem tanto – em todas as regiões do país.

Douglas Fersan

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